Por Maria
Clara Bingemer
Neste Natal de 2013 tenho vontade de deixar emergir minha pertença ancestral
judia e perguntar ao pai de família: “Pai, por que esta noite é diferente de
todas as outras?” E ouvir a resposta da Sinagoga quando, celebrando a Páscoa
(Pessach, passage), recorda a libertação do cativeiro do Egito. E
também a da Igreja, recordando o nascimento d´Aquele de quem os cristãos do
mundo inteiro celebram o nascimento.
Neste Natal, os sentimentos serão diferentes. E por muitas razões.
Começamos o ano fazendo uma viagem sonhada e desejada há muito tempo.
Fomos à Terra Santa com um grupo inesquecível, guiados pelo amigo e irmão Luiz
Paulo Horta e pelo irmão e companheiro de Jesus, Pe. Paul Schweitzer.
Viagem inesquecível, que faz com que de agora em diante nenhum Natal seja o
mesmo, pois eu estive e pisei no solo de Nazaré, onde Maria recebeu a
Anunciação do Anjo Gabriel. Estive em Belém e senti a presença do nascimento do
Menino Yeoschua no estábulo da hospedaria. Andei e pisei na mesma terra que
Ele, há mais de dois mil anos, pisou com seus pés que caminhavam sem parar,
pregando a boa notícia do reino de Deus.
A contemplação natalina este ano tem composição de lugar e cenário. E por
isso torna-se mais real. E por isso faz aflorar e emergir a realidade com
seu encanto tão doce como o Menino e, ao mesmo tempo, tão conflitivo como a
humanidade que Ele escolheu assumir com sua Encarnação e Nascimento. Talvez por
isso Natal seja uma festa em que as famílias se encontram e a convivência nem
sempre é pacífica e harmônica.
O amor e a solidariedade que o Menino veio trazer não eliminam as diferenças,
antes as expõem. Com a luz e a crueza da Verdade, onde não há lugar para
a mentira e o engano. Por isso, para muitos o Natal é uma festa em que a dor
não está ausente. A dor da solidão, a dor do abandono, a dor do
desengano, da decepção, das perdas. E também a dor da exclusão, da
injustiça, da opressão. As dores messiânicas pelas quais Jesus passou em
sua vida são também experimentadas por nós em meio à suave alegria que o
nascimento de uma criança sempre desperta e que os símbolos natalinos desejam
reeditar e remarcar nesta festa.
Neste Natal estaremos celebrando em nossa família a grande alegria da presença
de um novo membro, a nenenzinha Maria Victoria. Mas uma sombra vai pairar sobre
nós com a ausência de Lucas, o netinho francês que permaneceu na França,
consolando a avó de sua recente viuvez e o pai de um ano muito difícil.
Nós teremos entre nós a mãe de Lucas, que também celebrará conosco a esperança
de que o próximo ano seja melhor do que o que vamos deixando para trás. E
veremos no Natal esta esperança concretizada na presença do Menino, uma vida
que se inicia e promete luz e liberdade.
Em nosso coração estará também o peso do vazio da dor da perda do irmão Luiz
Paulo que, após a viagem inesquecível à Terra Santa, partiu, sem avisar, para o
encontro definitivo com Deus. De lá,
estará celebrando conosco, mas a falta que faz é grande demais para não
doer, pelo menos neste primeiro Natal sem ele.
A chegada do Messias que o povo de Israel vive como esperança e a Igreja como
esperança realizada em Jesus Cristo é plenitude atravessada por
provisoriedade. É Transcendência atravessada por contingência. É Infinito
atravessado por finitude. É alegria não isenta de conflitos e
tristezas.
Bem diz Santo Inácio de Loyola em seus Exercícios Espirituais, ao propor a
contemplação da Natividade: “ Ver as pessoas... ver nossa Senhora e José... e o
Menino Jesus... advertir e contemplar o que falam... observar e considerar o
que fazem, como é caminhar e trabalhar, para que o Senhor venha a nascer em
suma pobreza e, ao cabo de tantos trabalhos de fome, de sede, de calor e de
frio, de injúrias e afrontas, para morrer na cruz; e tudo isto por mim...”
<114-116>
Pouco ou nada têm em comum com o espírito do Natal o frenesi consumista e a
euforia regada a álcool e comilança desmedida que se apossam de tantos durante
estas festas. Escasso paralelismo têm a sobriedade da hospedaria e do
estábulo do nascimento com as mesas cheias de comida e os pinheiros cercados
por infinidade de presentes.
Neste Natal, peço a graça de compreender interiormente que a alegria é
diferente da euforia e a justiça é seu
componente essencial e constitutivo. Peço o dom divino de aceitar as
diferenças dos outros e acolhê-las em minha identidade. E não temer nem
hesitar frente aos conflitos que compõem inelutavelmente a construção do Reino
de Deus.
FELIZ NATAL!
Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia
da PUC-Rio, teóloga, é autora de “Ser cristão hoje" (Editora Ave
Maria).
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