O Jornal On Line O PORTA-VOZ surgiu para ser o espaço onde qualquer pessoa possa publicar seu texto, independentemente de ser escritor, jornalista ou poeta profissional. É o espaço dos famosos e dos anônimos. É o espaço de quem tem alguma coisa a dizer.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Livro: Uma Paixão



 Por: Maria Clara Lucchetti Bingemer



       É sempre ocasião de prestar homenagem a esse grande, fiel e inseparável amigo, feito de papel, cola, grampo, linhas e letras que é o livro.  Essa moldura recheada de conteúdos os mais diversos: paixão, aventura, amor, dor, suspense e, sobretudo, a mais elevada forma de atividade do espírito humano: a atividade literária, a criação do texto, a inspiração poética.

     Lamentavelmente vamos ficando poucos os que ainda nos aproximamos do livro com paixão ansiosa. Trata-se de uma verdadeira aventura amorosa abrir um novo livro, virar suas páginas, tocar seu papel e sentir-lhe a consistência, cheirá-lo e finalmente mergulhar em seu conteúdo, absorvendo ávida e deliciosamente as palavras mágicas que nos fazem viajar, sofrer, chorar, rir, amar, refletir, rezar...
     As novas tecnologias entraram com força em nossa vida, atraindo-nos e conquistando-nos por inteiro com sua rapidez, eficiência e imediatez.  O clique de um botão envia pela internet a antes carta perfumada e laboriosamente escrita, que passava pelas etapas do selo, do correio, do carteiro.  O telefone celular agora não se limita a receber e enviar chamadas telefônicas, mas envia e recebe mensagens eletrônicas, toca música, apresenta os mais variados jogos.  A rede faz chegar do outro lado do mundo livros inteiros em questão de minutos e mesmo segundos.  E disponibiliza bibliotecas, periódicos e artigos onde se pode, sem sair da frente da tela do computador, fazer o que antes se fazia das páginas impressas do livro.

     Há ainda a televisão, que a cada dia apresenta capítulos de novela e sessões de “reality shows”. Breve será interativa e poderemos “conversar” com ela e através dela, tal como já fazemos através da internet no computador.

    E, no entanto...será que se trata da mesma coisa?  Será idêntica a experiência que temos e vivemos diante de um computador ou de uma televisão e aquela que desafia todas as nossas energias e faculdades mentais diante das páginas de um livro novo, recém aberto, ou de um livro antigo e tão amado que se tornou amigo de infância e que não cansamos de revisitar e reler?

     Não há dúvida que as novas tecnologias revolucionaram para melhor nossas vidas e nos trouxeram contribuições inestimáveis em termos de possibilidades de aceder mais veloz e diligentemente a toda e qualquer informação que desejamos. Porém, é inegável que essas mesmas tecnologias podem criar em nós uma espécie de dependência, de vício, que funciona como uma droga que nos impede de estar abertos e disponíveis a outras coisas. É assim que as novas gerações podem passar horas brincando em um computador, em salas de "chat" na internet em conversas que muitas vezes não são tão produtivas.  Ou não perder um capítulo de novelas e “reality shows” que vão encurtando e atrofiando cada vez mais sua potencialidade criativa, não estimulada por contribuições sempre menores e menos significativas.

      Enquanto a leitura do livro nos desafia, nos exige e nos ajuda a fazer novas interpretações e sínteses que vão nos permitir viver as situações vitais com maior preparação e um quadro de referências mais ricas, muitas das novas tecnologias, sobretudo se utilizadas com excesso e falta de discernimento, podem instaurar uma comunicação veloz, sim, mas sem muita consistência. A prova disso é o tamanho dos poucos textos que acompanham a louca dança das imagens na internet: são cada vez mais curtos, escritos em estilo menos elaborado, cheios de erros de português ou eivados de uma gíria própria que exclui as gerações nela não iniciadas.
  
     A leitura exige tempo, calma e investimento.  Ler um grande texto, uma bela poesia, um denso ensaio pede atenção, concentração, reflexão.  Parece ser coisa que não se está mais disposto a exercitar nos tempos que correm.  Rezar diante de uma passagem bíblica, de um salmo, ou de um poema religioso pede que toda a pessoa - corpo e espírito - esteja voltada para as letras que na escritura desenham paciente e paulatinamente o rosto do divino buscado ansiosa e amorosamente.

     Quem sabe as Bienais do Livro e as Feiras Literárias que felizmente hoje proliferam por diversas cidades, de norte a sul do país, conseguem trazer-nos de volta um pouco da velha paixão e respeito que merecem esses tão fiéis e adoráveis amigos que são os livros? Quem sabe, também e não menos, conseguem nos devolver algo do sentimento tão profundamente humano que vê e sente a leitura como um ato que tem algo de profundo e de sagrado?

Maria Clara Lucchetti Bingemer, Departamento de Teologia da PUC-Rio. A   teóloga é autora de “Ser cristão hoje" (Editora Ave Maria).
 Copyright 2014 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br>



 CLIQUE AQUI - PARA LER OS TEXTOS MAIS ANTIGOS  ANTERIORES AO BLOG

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A Utopia de Morus



Por Frei Betto


       João Paulo II consagrou, em 2000, o inglês Thomas Morus (1478-1535) padroeiro dos políticos. Fez boa escolha,  considerada  a ambiguidade da maioria dos políticos. Canonizado em 1935  pelo papa Pio XI e pouco conhecido por sua suposta santidade, Morus é famoso por ser autor de um  livro clássico, Utopia (1516), termo que  cunhou a partir do grego  utopos, que significa ‘lugar nenhum’.

     Morus inspirou-se  em Luciano, satírico grego do século  II, autor de História verdadeira, e em  Erasmo, de quem era amigo,  autor de Elogio da loucura (1511), que em carta  enviada a Morus  afirmou que “gracejos podem levar a algo mais sério.” É o que  faz a boa literatura de nosso Veríssimo.

     Em sua obra, Morus   descreve a comunidade de uma ilha onde não havia dinheiro nem  propriedade  privada; admitiam-se adoradores do Sol e da Lua. “Todos  eram livres para  praticar a religião que bem entendessem, e tentar  converter as outras pessoas  para a sua própria fé, desde que o fizessem tranquila e educadamente, por meio de argumento  racional.”

     Tinha o autor por objetivo protestar  contra as  injustiças da Inglaterra de sua época: pobreza generalizada, criminalidade (e apelos à redução da maioridade penal…), pena de morte para quem furtava para matar a fome. “Vocês  ingleses” - diz o narrador da Utopia -, “me fazem lembrar os  professores incompetentes, que preferem reprovar os seus alunos que  ensinar-lhes. Em vez  de infligir essas punições horríveis, seria muito  mais adequado proporcionar a  todos algum meio de sobrevivência, de  modo que ninguém se encontrasse sob a  horripilante necessidade de se  tornar, primeiramente, um ladrão, e depois um   cadáver.”

     Na ilha de Morus “todos recebem uma porção  justa, de  modo a não haver jamais pobres ou mendigos. Ninguém é  proprietário de nada,  mas todos são ricos – afinal, que riqueza maior  pode haver que a alegria, a  paz de espírito e estar livre da angústia?”

     Dois fatores fizeram Morus renegar suas antigas ideias: a Reforma  de Lutero e a sua nomeação a funcionário real, em 1518. Picado pela mosca  azul, o poder  lhe subiu à cabeça. Logo foi promovido a “conselheiro teológico” e, em  1529, nomeado Lorde Chanceler de Henrique VIII.

     O que ele   antes via como desejável, agora que chegara ao poder lhe parecia perigoso.  Preferiu esquecer o que pregou e escreveu. Embora a  comunidade da Utopia assemelhe-se ao comunismo, Morus, inimigo da  Reforma, passou a atacar a vida  comum dos anabatistas como terrível  heresia, e tomou a defesa dos ricos  proprietários de terras.

     Lorde Morus proibiu mais de cem livros, perseguiu  quem não professava a fé católica, entre os quais o teólogo  protestante William Tyndale, que traduziu a Bíblia para o inglês. Segundo seu biógrafo, John Guy, Morus aplicava severamente as leis que  decretava: “Vendedores de livros eram multados e presos, e seus  estoques de literatura  herética queimados em praça pública”, e eles obrigados a desfilar em feiras livres, cavalgando de costas, para que  o povo lhes atirasse frutas podres.

     No epitáfio que  cunhou para si mesmo, Morus afirmava orgulhoso  ter sido um “perseguidor de ladrões, assassinos e hereges”. O último termo foi   suprimido na reforma de seu túmulo, no século XIX.

     Em  1533,  Henrique VIII separou-se de Catarina de Aragão, apaixonado que  estava por Ana  Bolena. Como Roma lhe negou a anulação do casamento, a  fim de legalizar seu divórcio e sacramentar o novo matrimônio perante  a Igreja, o rei transferiu  para si a autoridade do papa e fundou a  Igreja Anglicana. Por se recusar a  aceitar Ana Bolena como rainha da  Inglaterra e ficar do lado do papa Clemente  VII, que excomungou Henrique VIII, Morus foi decapitado em  1535.

     O poder é  antiutópico ou distópico por natureza? Por que, hoje, tantos que  outrora elevavam sua voz contra a exploração do capital e desfraldavam  bandeiras progressistas, de leões bravios tornaram-se dóceis  cordeiros  do rebanho neoliberal?

     Penso que o poder, devido às  premências do presente, faz com que se perca a visão de futuro. E como  o  poderoso tende a perpetuar-se no cargo (vide as velhas raposas da política brasileira), procura reduzir o processo histórico a seu momento pessoal.  Julga-se início e fim, sem  consciência de que não passa de mediador (meio) de  um mandato popular.

     Daí o risco de transformar-se numa figura ridícula, sem honra biográfica, mera  caricatura de  suas ambições desmedidas. Em sua pobre topia, não há mais lugar para a utopia.

Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.   
  
 http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.
Copyright 2014 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los, propomos assinar todos os artigos do escritor. Contato – MHGPAL – Agência Literária (mhgpal@gmail.com


CLIQUE AQUI - PARA ACESSAR TEXTOS MAIS ANTIGOS  ANTERIORES AO BLOG

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Educar para a esperança



Por Marcelo Barros


      Mesmo em meio aos maiores sofrimentos e problemas, a humanidade busca sempre razões para esperar. Às vezes, as pessoas que vivem situações de maior carência e sofrimento são as que mais se dispõem à alegria de viver e à teimosia de confiar no amanhã. Essa esperança pode ser ilusória e alienada quando é preguiçosa. Há quem diga: “Vamos ter paciência que o próprio tempo resolve”. Infelizmente, por si mesmo, o tempo nada pode resolver. Apenas adia o enfrentamento das questões. E, pela sucessão dos dias, muitos problemas até pioram. Entretanto, além do tipo de esperança baseada na ilusão, existe também um modelo de esperança, grávida de utopias. Essa nos dá energia para lutar e nos chama a não nos conformar. Essa esperança deve ser lúcida, atenta às dificuldades, mas decidida a nadar contra a corrente e ser energia de transformação da realidade e da vida. Essa esperança, para ser eficaz, tem de ser educada e organizada.

     Na tarefa de educar para a esperança, as tradições religiosas têm uma missão importante. No Brasil, religiões afrodescendentes lidam com o Axé, energia vital. Celebram a presença divina na natureza e o encanto da vida. Fazem do culto uma dança de alegria que dá às pessoas força para resistir às tristezas da vida. O Budismo ensina a libertação dos desejos como caminho do nirvana, ou seja, da paz e da salvação. No passado, muitas vezes, o Cristianismo falou mais da vida depois da morte e do mundo sobrenatural do que do projeto divino para esse mundo, pelo qual Jesus pediu, ao ensinar seus discípulos a orar: “Venha a nós (isso é, para cá) o teu reino”. Nas últimas décadas, a inserção das Igrejas na caminhada do povo pela sua libertação tem ajudado pessoas e comunidades a testemunharem que, como dizem os fóruns sociais: “um novo mundo é possível!”.

      A esperança de transformar a vida e o mundo tem um conteúdo revolucionário. Hoje, muita gente tem medo de usar a palavra revolução. É preciso resgatar esse conceito, hoje ainda associado por alguns grupos ao ódio, à violência e à luta armada.  Na primeira parte do século XX, Caio Prado Júnior definiu a revolução como: “transformações capazes de reestruturar a vida de um país a partir de suas necessidades mais profundas e as aspirações da grande massa de sua população que, no estado atual, não são devidamente atendidas (...) Algo que leve o país por um novo rumo”[1]. Paulo Freire propunha uma “Pedagogia da Revolução”, como um trabalho de formação do ser humano que o torne apto ao processo de transformação social e à consolidação da nova organização social e política, produzida por uma reflexão (diagnóstica, judicativa e teleológica) sobre a educação, na perspectiva da hegemonia popular segundo as exigências do método dialético. 

     As Igrejas cristãs vieram para a América Latina através dos colonizadores europeus (a Igreja Católica e algumas das evangélicas mais antigas) e através de missionários norte-americanos (algumas Igrejas evangélicas mais novas e as pentecostais). Tanto europeus, como norte-americanos, em sua maioria, ao trazerem a mensagem do Evangelho, impunham a sua cultura e uma visão de fé desligada do compromisso de mudar o mundo. Por isso, as Igrejas têm uma dívida moral com os povos do continente. Devem ser testemunhas e agentes da esperança de um mundo novo, mais justo e igualitário. Na carta aos romanos, Paulo insiste: “Não vos conformeis com esse mundo, mas transformai-vos pela renovação de vossa inteligência para discernir qual a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe é agradável e perfeito” (Rm 12, 2). Para os cristãos, a fé nos revela que a esperança é um dom divino e não apenas uma capacidade nossa. E se baseia não na visão da realidade que é, em geral, dura e difícil. A esperança se enraíza na promessa divina de uma salvação que não é só para depois da morte. É a possibilidade de sermos felizes e fazermos os outros felizes nessa terra que Deus nos deu para vivermos.


[1] - Cf. PRADO JR., CAIO, Revolução Brasileira, São Paulo, Civilização Brasileira, 1966, citado por L. BOFF, Responder Florindo, Garamond Rio de Janeiro, 2004, p. 47. 

Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.  

 
CLIQUE AQUI - PARA ACESSAR TEXTOS MAIS ANTIGOS ANTERIORES AO BLOG


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

A carícia essencial que resgata nossa humanidade



Por Leonardo Boff

       A carícia constitui uma das expressões supremas da ternura sobre a qual discorremos no artigo anterior. Por que dizemos carícia essencial? Porque queremos distingui-la da carícia como pura moção psicológica, em função de uma bem querença fugaz e sem história . A carícia-moção não envolve o todo da pessoa. A carícia é essencial quando se transforma numa atitude, num modo-de-ser que qualifica a pessoa em sua totalidade,  na psiqué,  no pensamento, na vontade, na interioridade, nas relações. 

      O órgão da carícia é, fundamentalmente, a mão: a mão que toca, a mão que afaga, a mão que estabelece relação, a mão que acalenta, a mão que traz quietude. Mas a mão é mais que a mão. É a pessoa inteira que através da mão e na mão revela um modo-de-ser carinhoso. A carícia toca o profundo do ser humano, lá onde se situa seu Centro pessoal. Para que a carícia seja verdadeiramente essencial precisamos cultivar o Eu profundo, aquela busca do mais íntimo e verdadeiro em nós e não apenas o ego superficial da consciência sempre cheia de preocupações.

      A carícia que emerge do Centro confere repouso, integração e confiança. Daí o sentido do afago. Ao acariciar a criança a mãe lhe comunica a experiência mais orientadora que existe: a confiança fundamental na bondade da vida; a confiança  de que, no fundo, apesar das tantas distorções, tudo tem sentido; a confiança de que a paz  e não o pesadelo é a realidade mais verdadeira; a  confiança na acolhida  no grande Útero.

        Assim como a ternura, a carícia exige total altruísmo, respeito pelo outro e renúncia a qualquer outra intenção que não seja a  da experiência de querer bem   e de amar. Não é um roçar de peles, mas um investimento de carinho e de amor através da mão e da pele, pele que é o nosso eu concreto .

       O afeto não existe sem a carícia, a ternura e o cuidado. Assim como a estrela precisa de uma aura para brilhar, da mesma forma o afeto necessita da carícia  para sobreviver. É a carícia da pele, do cabelo, das mãos, do rosto, dos ombros, da intimidade sexual que confere concretude ao afeto e ao amor. É a qualidade da carícia que impede o afeto de ser mentiroso, falso ou dúbio. A carícia essencial é leve como um entreabrir suave da porta. Jamais há carícia na violência de arrombar portas e janelas, quer dizer, na invasão da  intimidade da pessoa.

      Disse com precisão o psiquiatra colombiano  Luis Carlos Restrepo que escreveu um belo livro  sobre “O direito à ternura”(Vozes 1998): ”A mão, órgão humano por excelência, serve tanto para acariciar como para agarrar. Mão que agarra  e mão que acaricia são duas facetas extremas das possibilidades de encontro inter-humano”

      Numa reflexão cultural mais ampla, a mão que agarra corporifica o modo-de-ser dos últimos quatro séculos, da assim chamada modernidade. O eixo articulador do paradigma moderno é a vontade de agarrar tudo para possuir e dominar. Todo o Continente latino-americano foi agarrado e praticamente dizimado pela invasão militar e religiosa dos ibéricos. E veio a África, a China, todo o mundo que se pôde agarrar, até a Lua.

    Os modernos agarraram dominando a natureza, explorando seus bens e serviços sem qualquer consideração de  respeito de seus limites e sem dar-lhe tempo de repouso para poder se reproduzir. Hoje colhemos os frutos envenenados desta prática sem qualquer cuidado e ausente de todo sentimento de carícia para com o que vive e é vulnerável.

     Agarrar é expressão do poder sobre, da manipulação, do enquadramento do outro ou das coisas  ao meu modo-de-ser. Se bem repararmos,  não ocorreu uma mundialização, respeitando as culturas em sua rica diversidade. O que ocorreu foi a ocidentalização do mundo. E na sua forma mas pedestre: uma hamburguerização do estilo de vida norte-americano imposto a todos os quadrantes do planeta.

       A mão que acaricia representa a alternativa necessária: o modo-de-ser-cuidado, pois “a carícia é uma mão revestida de paciência que toca sem ferir e solta para permitir a mobilidade do ser com quem entramos em contacto”(Restrepo).      

        É urgente nos dias de hoje resgatar nos seres humanos, a dimensão da carícia essencial. Ela está dentro de todos nós, embora encoberta por grossa camada de cinza de materialismo, de consumismo e de futilidades. A carícia essencial nos devolve a nossa humanidade perdida. Em seu sentido melhor  reforça também o preceito ético mais universal: tratar humanamente cada ser humano, quer dizer, com compreensão, com acolhida, com cuidado e com a carícia essencial.

Leonardo Boff é autor de O cuidado necessário, Vozes 2012.


 ARQUIVO DE TEXTOS - CLIQUE PARA ACESSAR OS TEXTOS MAIS ANTIGOS ANTERIORES AO BLOG