Por Maria Clara Lucchetti
Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio
A bondade adorável de João XXIII, o carisma de comunicador de João Paulo II, o
refinamento cultural de Benedito XVI fazem esquecer, às vezes, uma figura
discreta e grande que marcou o século XX: Giovanni Battista Montini, o Papa
Paulo VI.
Giovanni Montini, que escolheu o nome de Paulo para mostrar a sua missão de
propagação da mensagem de Cristo, tornou-se papa em 21 de junho de 1963, tendo
sido o primeiro líder da Igreja Católica a viajar pelos cinco continentes e o
primeiro a conversar com o líder da Igreja Anglicana e com os dirigentes das
diversas igrejas ortodoxas orientais. Os que acompanharam seus gestos não
esquecem do momento em que ele beijou os pés do Atenágoras, em sinal de amor e
unidade. Paulo VI faleceu em 6 de agosto de 1978.
O papa Paulo VI foi beatificado no último dia 19 de outubro no Vaticano, como
parte da cerimônia que encerrou a 3ª Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo
dos Bispos, cujo tema foi o papel da família. Paulo VI foi o 13º pontífice
beatificado pela Igreja Católica.
Em sua intervenção, o papa Francisco destacou Paulo VI como um homem que
conduziu a Igreja com sabedoria e visão de futuro. "Paulo VI, em um
momento em que estava surgindo uma sociedade secularizada e hostil, soube
conduzir [a Igreja] com sabedoria e visão de futuro", ressaltou, durante a
homilia da beatificação.
Lembro-me de seu rosto angustiado e devorado pelo zelo e pela preocupação com a
Igreja que conduzia. Tocou-lhe o período mais difícil após o Concílio,
quando as mudanças realizadas pelo evento conciliar sacudiam a Igreja e
ocasionavam defecções entre o clero e crises na vida religiosa masculina e
feminina. Os setores mais conservadores da Igreja insurgiam-se, clamavam.
Alguns rezavam pela conversão do Papa, crendo que estava louco.
O Pontífice, em pé em meio ao vendaval que sacudia a barca de Pedro, sofria e
rezava, buscando o rumo melhor a seguir. Mas permanecia fiel em meio à
tormenta. Fiel ao que o Concílio havia decidido. Fiel às novas orientações,
necessárias para que acontecesse o indispensável diálogo entre a Igreja e a
sociedade secularizada. Fiel à missão que lhe havia sido confiada.
Em meio a todas essas vicissitudes, pensou como ninguém a evangelização. São de
sua autoria não apenas a encíclica “Humanae Vitae”, que provocou muita comoção
entre os leigos e as famílias católicas, com suas orientações sobre os métodos
anticoncepcionais, como “Evangelii Nuntiandi”, talvez o melhor documento
pontifício jamais escrito sobre a evangelização dentro de um mundo secularizado
e autônomo.
É dele, em seu parágrafo 4, a frase: “o homem de hoje não escuta mais os
mestres. Escuta as testemunhas. E se escuta os mestres, é porque
são testemunhas”. Ao dizer isso, falava por experiência própria. Pois soube
viver sua missão não apenas como quem detém a posse da verdade e a
ensina. Mas como alguém que testemunha apaixonada e abertamente aquilo em
que crê.
O papa Francisco lembrou ainda como Paulo VI definiu o sínodo, uma forma de
"adaptar os métodos de apostolado às múltiplas necessidades do tempo e das
condições da sociedade". Ainda segundo Francisco, "Paulo VI
soube de verdade dar a Deus o que era de Deus, dedicando toda a sua vida à
tarefa de dar continuidade à missão de Cristo na Terra".
E nós acrescentamos: foi um Papa muito incompreendido em seu tempo, devido às
situações ambíguas que devia enfrentar. Soube, porém, ganhar o respeito e a
admiração dos fiéis devido à sua coragem e fidelidade. Que seu exemplo
possa inspirar-nos nos tempos turbulentos que vivemos. A história faz
justiça a Paulo VI. A Igreja também. Beato Paulo VI, rogai por nós!
Maria Clara
Bingemer é autora, em coautoria, de FINITUDE E MISTÉRIO – MÍSTICA E LITERATURA
MODERNA (Editoras Mauad e PUC-Rio).
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