Por Maria Clara Lucchetti
Bingemer
Neste momento, meus olhos e pensamento se
dirigem para um ipê amarelo. Sob ele repousam e vivem as cinzas do grande
educador, teólogo, psicanalista e poeta, o escritor Rubem Alves, falecido há
poucos dias. O ipê amarelo – a beleza – e Cecília Meireles e Fernando
Pessoa – a poesia – foram e são, por vontade do próprio Rubem, seus últimos e
definitivos companheiros.
Trata-se de uma morte em perfeita coerência
com a vida. Pois quem semeou mais beleza do que ele, com seu pensar e
seus escritos? Quem jamais viveu tão poeticamente como ele, espalhando
poesia por onde passava e ajudando os corações humanos a amá-la?
Rubem Alves nasceu em 1933 e faleceu em
2014, aos 80 anos. Já há algum tempo conversava longamente com a morte e
transmitia o conteúdo de suas conversas aos leitores e ouvintes. Assim,
por ele e com sua autoridade, ficamos sabendo que quem não conversa com a morte
é um irremediável tolo. Mas isso não significa que Rubem Alves fosse
alguém triste ou macambúzio. Pelo contrário, poucas pessoas amaram mais a
vida do que ele. A ponto de dizer que não tinha medo da morte, mas sim pena de
ir-se, de despedir-se desta vida tão bonita e que tanto lhe deu.
Tive contato com Rubem Alves desde os anos
1970, quando ingressei na Faculdade de Teologia da PUC-Rio. Ali, seus
textos eram lidos e debatidos por alguns, pois sempre havia a suspeita se
seriam realmente textos rigorosos, teológicos, dignos da formalidade da
academia. Alguns sem dúvida o eram: como o famoso Teologia da Esperança, um dos
primeiros livros sobre Teologia da Libertação; ou o de Filosofia da Religião,
que se tornou um clássico, O que é religião, além do Enigma da Religião e O
suspiro dos oprimidos.
O maravilhoso Conversas com quem gosta de
ensinar devolveu o gosto e a alegria a muitas vocações pedagógicas frustradas
em nosso país, onde a educação é tristemente maltratada e empurrada para um
desonrado último lugar. Ensinar, para Rubem, era uma paixão. E ele
ansiava por transmitir esta paixão a outros, sobretudo aos que tinham diante de
si, em seu cotidiano, uma turma de alunos ávidos por aprendizagem e crescimento.
Os que acompanhamos sua trajetória
percebemos que à certa altura da vida a poesia ganhou definitivamente espaço no
coração e na criação de Rubem. E seus textos começaram a ser sempre mais
poéticos... sem perder em nada a profundidade e a seriedade que sempre tiveram.
Lembro-me de um que me marcou de maneira
especial: Tênis e frescobol, sobre a relação amorosa entre homem e mulher, o
casamento, enfim sobre uniões duradouras e compromissos longevos. Nunca
li nada tão leve, delicioso e, ao mesmo tempo, tão verdadeiro.
Distribuí-o a todos os jovens casais que conhecia e posso testemunhar que foi
de grande fruto.
Assim era o
querido Rubem Alves. Amigo da beleza e da poesia. Aprendiz de vida
conversando com a morte. Crente de uma fé que apostava na pedagogia purificada
e purificante do olhar e esperava a ressurreição dos corpos. Mestre
apaixonado pela arte de ensinar e pela transformação que vislumbrava vendo os
olhos dos alunos a cada coisa aprendida. Apaixonado pelas palavras que
ajudavam o ver mais, mais longe, mais profundo.
A saudade que
sua partida nos provoca é imensa. Como viver sem ele, seu jeito simples
de falar tão belamente sobre as coisas mais sérias e complicadas? Como
não ouvir mais as perguntas sábias e desconcertantes com que nos fazia pensar: por
que o caqui é vermelho? Voltarei para o lugar onde estive sempre, antes de
nascer, antes do Big Bang?
Porém, com ele
mesmo aprendemos que “a saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer
voltar”. Sentindo a saudade do mestre admirado e querido, a alma me
conduz para o pé do ipê amarelo, onde suas cinzas foram lançadas; e me faz voar
para mergulhar e olhar com seus olhos a poesia de Cecília e Pessoa; e me faz
olhar as pérolas que as ostras produzem com outros olhos e sentimento; e me faz
amar as palavras, para que elas digam com mais verdade o que o olhar contempla.
Muito aprendi,
muito aprendemos com Rubem Alves, com sua refinada simplicidade, com sua alma
de poeta, com seu olhar transfigurado pela beleza. Importa agora seguir
suas pegadas de pedagogo encantado e encantador. E seguir, como ele,
encantando gerações para que descubram, em meio à opacidade cinzenta da vida, o
multicolorido das flores e das asas das borboletas.
Maria Clara Bingemer é autora de "Deus amor: graça
que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros.
(wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
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