por Leonardo Boff
Para pormos em curso outro
tipo de Grande Transformação que nos devolta a sociedade com mercado e elimine
a deletéria sociedade unicamente de mercado, precisamos fazer algumas
travessias impostergáveis. A maioria delas está em curso mas elas precisam ser
reforçadas. Importa passar:
-do paradigma Império,
vigente há séculos para o paradigma Comunidade da Terra;
-de uma sociedade
industrialista que depreda os bens naturais e tenciona as relações sociais para
uma sociedade de sustentação de toda a vida;
-da Terra tida como meio
de produção e balcão de recursos sujeitos à venda e à exploração para a Terra
como um Ente vivo, chamado Gaia, Pacha Mama ou Mãe Terra;
-da era tecnozoica que
devastou grande parte da biosfera para a era ecozoica pela qual todos os
saberes e atividades se ecologizam e juntas cooperam na salvaguarda da vida.
-da lógica da competição
de se rege pelo ganha-perde e que opõem as pessoas para a lógica da cooperação
do ganha-ganha que congrega e fortalece a solidariedade entre todos.
-do capital material
sempre limitado e exaurível, para o capital espiritual e humano ilimitado feito
de amor, solidariedade, respeito, compaixão e de uma confraternização como
todos os seres da comunidade de vida;
-de uma sociedade
antropocêntrica, separada da natureza, para uma sociedade biocentrada que se
sente parte da natureza e busca ajustar seu comportamento à logica do processo
cosmogênico que se caracteriza pela sinergia, pela interdependência de todos
com todos e pela cooperação.
Se é perigosa a Grande
Transformação da sociedade de mercado, mais promissora ainda é a Grande
Transformação da consciência. Triunfa aquele conjunto de visões, valores e
princípios que mais congregam pessoas e melhor projetam um horizonte de
esperança para todos. Essa seguramente é a Grande Transformação das mentes e
dos corações a que se refere a Carta da Terra. Esperamos que se consolide,
ganhe mais e mais espaços de consciência com práticas alternativas até assumir
a hegemonia da nossa história.
Há um documento acima
citado a Carta da Terra por seu alto valor de inspiração e gerador de
esperança. Ela é fruto de uma vasta consulta dos mais distintos setores das
sociedades mundiais, desde os povos originários, das tradições religiosas e
espirituais até de notáveis centros de pesquisa. Foi animada especialmente por
Michail Gorbachev, Steven Rockfeller, o ex-primeiro ministro da Holanda
Lubbers, Maurice Strong, subsecretário da ONU e Mirian Vilela, brasileira que,
desde o início coordena os trabalhos e dirige o Centro na Costa Rica. Eu mesmo
faço parte do grupo e tenho colaborado na redação do documento final e de sua
difusão por onde posso.
Depois de 8 anos de
intensos trabalhos e de encontros frequentes nos vários continentes, surgiu um
documento pequeno mas denso que incorpora o melhor da nova visão nascida das
ciências da Terra e da vida, especialmente da cosmologia contemporânea. Ai se
traçam princípios e se elaboram valores no arco de uma visão holística da
ecologia, que podem efetivamente apontar um caminho promissor para a humanidade
presente e futura. Aprovado em 2001 foi assumido oficialmente em 2003 pela
UNESCO como um dos materiais educativos mais inspiradores do novo milênio.
A Hidrelétrica
Itaipu-Binacional, a maior do gênero no mundo, tomou a sério as propostas da
Carta da Terra e seus dois diretores Jorge Samek e Nelton Friedrich conseguiram
envolver 29 municípios que bordeiam o grande lago onde vive cerca de um milhão
de pessoas. Deram início de fato a uma Grande Transformação. Lá se realiza
efetivamente a sustentabilidade e se aplica o cuidado e a responsabilidade
coletiva em todos os municípios e em todos os âmbitos, mostrando que, mesmo dentro
da velha ordem, se pode gestar o novo porque as pessoas mesmas vivem já agora o
que querem para os outros.
Se concretizarmos o sonho
da Terra, esta não será mais condenada a ser para a maioria da humanidade um
vale de lágrimas e uma via-sacra de padecimentos. Ela pode ser transformada
numa montanha de bem-aventuranças, possíveis à nossa sofrida existência e uma
pequena antecipação da transfiguração do Tabor.
Para que isso ocorra, não
basta sonhar, mas importa praticar.
Leonardo Boff escreveu A
opção-Terra: a salvação da Terra não cai do céu, Record 2009.
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