Por Maria Clara Bingemer

Agora, a cota diária de cadáveres e a multiplicação de
pessoas em desespero passou de dezenas a centenas. Já alcança a cifra de
cem ou mais de cem mortos ao dia na faixa de Gaza, que polariza as atenções do
mundo inteiro. Desde o início da operação israelense em Gaza, pelo menos 1.230
palestinos morreram e 6.700 ficaram feridos, dois terços civis, incluindo
mulheres e crianças", afirmou o porta-voz do Ministério da Saúde de Gaza,
Ashraf Al Qedra.
A mídia nos inunda os olhos diariamente de cenas horríveis
de mães e pais carregado em lágrimas os cadáveres dos filhos, de corpos
mutilados etc. As baixas do lado de Israel são em muito menor número, mas
também existem. Israel está muito mais equipado e armado, tem o apoio dos
Estados Unidos, maior potência bélica do mundo. Portanto, tem e demonstra clara
superioridade na ofensiva.
No entanto, a
tragédia é de tal proporção que não me parece que se deva tomar partido e
perguntar quem tem razão. Quando o que impera é a desrazão, as razões de
um e de outro não podem ser analisadas de forma sensata e racional. Há
razões de ambos os lados. E desrazão por todo lado.
O grande
escritor judeu Amos Oz há pouco escrevia: “Os palestinos não têm outra terra
senão esta. Eles dizem que é sua terra e têm razão. Nós dizemos que
é nossa terra e temos razão.” Aí está o drama: assim como não se pode discernir
entre uma coisa ruim e outra boa, pois deve-se sempre escolher o bem. Assim
também não se pode dizer quem aqui tem razão: ambos a têm. Assim como não se
pode dizer quem está errado: ambos estão.
Parece-me, no entanto, que cavalgar sobre o engano ou
o erro do outro e justificar as barbaridades cometidas não levam a bom porto. O
cavalo pode rapidamente transformar-se em um daqueles quatro do Apocalipse,
último livro da Bíblia: peste, guerra, fome e morte. Nenhum deles é
positivo. E isso tem em vista ambas as partes. Porém, se os dois lados têm
razão e ambos insistem na des-razão, o que se pode fazer, ou aconselhar, ou
refletir, ou dizer? Que gesto, que palavra, que atitude é capaz de
interromper esta desrazão alucinada que ceifa vidas incessantemente?
É muito difícil achar uma resposta.
A desrazão não tem respostas. Nem perguntas. Age sob o instinto e o
impulso da violência, empurrada pela sede de poder que muitas vezes se
identifica com um coletivo. Ou com vários. Parece-nos ser este o
caso. Por isso, de pouco ou nada serve interrogar a desrazão, pois só se
obterá como resposta o silêncio ou a violência, abatendo-se cega e
enlouquecidamente sobre as vidas das pessoas.
E, no entanto, há frestas de luz em meio a todo esse caos. Lendo as
declarações de Yuli Novak, jovem comandante israelense, a um blog português,
podemos sentir essa luz infiltrando-se pela espessura do caos: “...a Força
Aérea gaba-se de ter bombardeado Gaza com mais de 100 bombas de uma tonelada. O
que antes era a exceção é hoje a regra... Notificamos os habitantes da
destruição iminente de uma casa minutos antes de cair uma bomba – via mensagem
de texto ou lançando uma pequena bomba como aviso. É o suficiente para
transformar a casa num alvo legítimo de um ataque aéreo. Nas últimas duas semanas,
dezenas de civis foram mortos através desta prática. Casas de membros do Hamas
tornaram-se alvos legítimos, independentemente do número de pessoas que ali
estejam. Ao contrário do que aconteceu em 2002, ninguém se preocupa em
justificar ou apresentar uma desculpa.”
Mas
chamar os israelenses de escória, criminosos etc. e não reconhecer os erros do
outro lado – como a irresponsabilidade dos chefes palestinos que, instalados
fora de Gaza, expõem as famílias que ali moram e as usam como escudos humanos –
também não leva muito avante o desejo e a luta pela paz. Insistir com os
ataques indiscriminados e sem aviso de Israel a civis palestinos ou a
unilateralidade dos que só criticam Israel e não os assassinos da Síria, do
Iraque etc. também não nos leva muito longe.
A iluminada consciência da
jovem comandante Yuli Novak, no entanto, mostra um caminho. Assim como as
declarações de Amos Oz. E outros, que conseguem não perder a lucidez – a
razão – mesmo quando impera a des-razão. Diante do sofrimento infindável
e revoltante das centenas de palestinos mortos, famílias inteiras, desde nossa
impotência, a primeira atitude é a compaixão. Mas é importante provocar o
diálogo, como o fazem Yuli Novak, Amos Oz e outros mais. Só assim a razão
poderá encontrar uma brecha por onde infiltrar-se neste conflito absolutamente
estarrecedor e caótico, que se agrava a cada dia sob nossos olhos.
Maria Clara Bingemer,
professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, teóloga, é autora de “O mistério e o mundo –
Paixão por Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco.
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MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em
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