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sexta-feira, 22 de agosto de 2014

GAZA: RAZÃO E DESRAZÃO

Por Maria Clara Bingemer

                             

 Agora, a cota diária de cadáveres e a multiplicação de pessoas em desespero passou de dezenas a centenas.  Já alcança a cifra de cem ou mais de cem mortos ao dia na faixa de Gaza, que polariza as atenções do mundo inteiro. Desde o início da operação israelense em Gaza, pelo menos 1.230 palestinos morreram e 6.700 ficaram feridos, dois terços civis, incluindo mulheres e crianças", afirmou o porta-voz do Ministério da Saúde de Gaza, Ashraf Al Qedra.
A mídia nos inunda os olhos diariamente de cenas horríveis de mães e pais carregado em lágrimas os cadáveres dos filhos, de corpos mutilados etc. As baixas do lado de Israel são em muito menor número, mas também existem.  Israel está muito mais equipado e armado, tem o apoio dos Estados Unidos, maior potência bélica do mundo. Portanto, tem e demonstra clara superioridade na ofensiva.

      No entanto, a tragédia é de tal proporção que não me parece que se deva tomar partido e perguntar quem tem razão.  Quando o que impera é a desrazão, as razões de um e de outro não podem ser analisadas de forma sensata e racional.  Há razões de ambos os lados.  E desrazão por todo lado.

       O grande escritor judeu Amos Oz há pouco escrevia: “Os palestinos não têm outra terra senão esta.  Eles dizem que é sua terra e têm razão.  Nós dizemos que é nossa terra e temos razão.” Aí está o drama: assim como não se pode discernir entre uma coisa ruim e outra boa, pois deve-se sempre escolher o bem. Assim também não se pode dizer quem aqui tem razão: ambos a têm. Assim como não se pode dizer quem está errado: ambos estão.

 Parece-me, no entanto, que cavalgar sobre o engano ou o erro do outro e justificar as barbaridades cometidas não levam a bom porto. O cavalo pode rapidamente transformar-se em um daqueles quatro do Apocalipse, último livro da Bíblia: peste, guerra, fome e morte.  Nenhum deles é positivo. E isso tem em vista ambas as partes. Porém, se os dois lados têm razão e ambos insistem na des-razão, o que se pode fazer, ou aconselhar, ou refletir, ou dizer?  Que gesto, que palavra, que atitude é capaz de interromper esta desrazão alucinada que ceifa vidas incessantemente?

   É muito difícil achar uma resposta.  A desrazão não tem respostas.  Nem perguntas.  Age sob o instinto e o impulso da violência, empurrada pela sede de poder que muitas vezes se identifica com um coletivo.  Ou com vários.  Parece-nos ser este o caso.  Por isso, de pouco ou nada serve interrogar a desrazão, pois só se obterá como resposta o silêncio ou a violência, abatendo-se cega e enlouquecidamente sobre as vidas das pessoas.

            E, no entanto, há frestas de luz em meio a todo esse caos.  Lendo as declarações de Yuli Novak, jovem comandante israelense, a um blog português, podemos sentir essa luz infiltrando-se pela espessura do caos: “...a Força Aérea gaba-se de ter bombardeado Gaza com mais de 100 bombas de uma tonelada. O que antes era a exceção é hoje a regra... Notificamos os habitantes da destruição iminente de uma casa minutos antes de cair uma bomba – via mensagem de texto ou lançando uma pequena bomba como aviso. É o suficiente para transformar a casa num alvo legítimo de um ataque aéreo. Nas últimas duas semanas, dezenas de civis foram mortos através desta prática. Casas de membros do Hamas tornaram-se alvos legítimos, independentemente do número de pessoas que ali estejam. Ao contrário do que aconteceu em 2002, ninguém se preocupa em justificar ou apresentar uma desculpa.”

         Mas chamar os israelenses de escória, criminosos etc. e não reconhecer os erros do outro lado – como a irresponsabilidade dos chefes palestinos que, instalados fora de Gaza, expõem as famílias que ali moram e as usam como escudos humanos – também não leva muito avante o desejo e a luta pela paz.  Insistir com os ataques indiscriminados e sem aviso de Israel a civis palestinos ou a unilateralidade dos que só criticam Israel e não os assassinos da Síria, do Iraque etc. também não nos leva muito longe.

       A iluminada consciência da jovem comandante Yuli Novak, no entanto, mostra um caminho.  Assim como as declarações de Amos Oz.  E outros, que conseguem não perder a lucidez – a razão – mesmo quando impera a des-razão.  Diante do sofrimento infindável e revoltante das centenas de palestinos mortos, famílias inteiras, desde nossa impotência, a primeira atitude é a compaixão. Mas é importante provocar o diálogo, como o fazem Yuli Novak, Amos Oz e outros mais.  Só assim a razão poderá encontrar uma brecha por onde infiltrar-se neste conflito absolutamente estarrecedor e caótico, que se agrava a cada dia sob nossos olhos.

Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, teóloga,  é autora de “O  mistério e o mundo –  Paixão por  Deus em tempo de descrença”, Editora  Rocco. 
 Copyright 2014 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br>
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