por Maria Clara Lucchetti Bingemer
Por que um dia especial para os padres? Assim como tem o dia das mães, dos pais, dos namorados? Esses são fontes de lucro para o comércio. Assim também o dia das avós – que eu soube que existia depois que fui avó – dia do escritor, do filósofo e do padre. São categorias de pessoas que desempenham papel importante na sociedade, que se tornam luminosos e orientadores para as pessoas, que marcam o caminho de muitos.
O que é o padre – o presbítero, aquele que recebe o que se chama “ordem maior” na Igreja – para que mereça um dia especial consagrado a ele? O que tem de importante em nossa sociedade ocidental para merecer essa homenagem?
A palavra presbítero em grego quer dizer ancião. Presbítero, então, nas igrejas cristãs primitivas era cada um dos anciãos aos quais era confiado o governo da comunidade cristã. O termo ancião vem do latim antianus, via francês arcaico ancien, referindo-se a pessoa de idade avançada. A palavra hebraica equivalente é za·qen e identificava os líderes do Antigo Israel, quer no âmbito de uma cidade, da tribo ou em nível nacional. Já presbítero vem do grego, πρεσβυτερος, presbyteros, pessoa de idade, ancião. Significa antigo, velho, venerável, respeitável. E com todas essas conotações que vêm junto com a ancianidade - sabedoria, experiência de vida, dom de conselho etc. - Padre, significando pai, é uma forma de tratamento que recebe o presbítero na Igreja Católica, Igreja Ortodoxa e algumas correntes protestantes, como no anglo catolicismo. Evoca a paternidade que nas sociedades patrilineares ou patriarcais é o significante da proteção, da maioridade, da confiança possível.
Um presbítero ou padre é, pois, alguém que, plenamente humano, recebe um chamado, uma vocação, que o separa dentre os seres humanos e o constitui em favor desses mesmos seres humanos para anunciar a Palavra, celebrar o culto, construir a comunidade e ser administrador e dispensador dos mistérios de Deus. Entre os compromissos assumidos por aquele que se sente chamado por Deus a essa vocação – concretamente dentro da Igreja Católica - está o de não contrair matrimônio nem constituir família. Ou seja, o presbítero, em virtude de sua vocação e missão, assume no momento de sua ordenação o compromisso de permanecer celibatário e casto pelo resto de sua vida.
Trata-se de algo que traz perplexidade a muita gente. Sobretudo porque muitos se perguntam: o celibato em nossos dias tem ainda razão de ser? Em uma sociedade tão erotizada como a nossa, não será uma falta de sentido de realidade insistir em uma norma tão difícil de ser cumprida e por isso mesmo transgredida em alta proporção? Por que homens corretos e religiosos não podem sentir e responder à vocação sacerdotal sendo simplesmente casados e pais de família? Por que essa exigência tão dura de um compromisso de celibato para a vida toda?
Creio que aqui não cabem as tradicionais respostas "funcionais", tais como: o padre não se casa para ter mais tempo para o ministério. Ou para estar mais disponível para atender às pessoas que o procuram. Ou para poder guardar melhor o segredo da confissão sem ser ameaçado pela presença constante da mulher ao seu lado. Parece-me que nada disso procede, ou pelo menos não vai ao cerne do problema. Ainda mais nos dias de hoje, quando vemos cada vez mais leigos, homens e mulheres, que se dedicam integralmente ao serviço da Igreja, dando o melhor de suas forças, tempo e energias. O celibato do padre não pode ser apenas um elemento de uma distorcida visão de sua vocação e ministério enquanto mero "funcionário do sagrado".
A única ótica pela qual não apenas o celibato sacerdotal, mas toda a vida do ministro ordenado faz sentido é a do amor. Pois é de amor que se trata quando um homem sadio, em plena posse de suas faculdades físicas, mentais e afetivas, decide atender ao chamado de Deus e bater na porta do seminário pedindo a ordenação sacerdotal. Este homem só pode estar apaixonado. Só pode haver encontrado na vida um amor tão total e radical, que ocupa todo o espaço de sua pessoa e de seu coração. Inteiramente tomado e conquistado por esse amor, que lhe pede tudo, sua vida inteira, sente então que faz sentido renunciar a positivas e legítimas alegrias humanas - entre elas a realização afetiva do matrimônio e da família - para assumir o ministério sacerdotal.
No entanto, e apesar da graça imensa que recebe e que o "escolhe" e o põe à parte do meio dos outros seres humanos, este homem continua sendo humano, e, portanto frágil, pecador, passível de erros, falhas e desvios de personalidade. Precisará ser ajudado a perceber suas lacunas afetivas, suas carências e mesmo suas enfermidades. Necessitará de auxílio para discernir se sua vocação é verdadeira ou se, ao contrário, será melhor para ele e para os outros que procure outro caminho em sua vida. E aqueles ou aquelas que foram vítimas de seu pecado e seu desvio deverão ser muito concreta e carinhosamente amparados pela Igreja, responsável pelas quedas e falhas de seus membros.
A graça de Deus não torna ninguém super-pessoa. Pelo contrário, se visibiliza e brilha mais intensamente ali onde a fragilidade e a fraqueza humanas são maiores e mais profundas. Pecadores e traidores é o que mais existe na Igreja de Cristo. Por isso mesmo, o extraordinário é que essa mesma Igreja santa e pecadora ainda consiga produzir santos. E ela o consegue, mesmo entre o clero, abundantemente entre o clero.
É aí, e somente a partir daí pode-se e deve-se examinar e compreender o sentido do sacerdócio ministerial hoje. A partir do amor que é mais forte que o pecado e a morte, e que é feito não só de exigências e artificiais perfeições, mas também de perdão e compaixão extremas, que amparam e levantam aquele que caiu. Santa e pecadora, a Igreja repousa somente sobre a santidade de seu Senhor para poder ser no mundo sinal de salvação. A vocação sacerdotal vivida por pessoas frágeis e pecadoras faz parte desse grande mistério. Portanto, não é motivo de escândalo, mas sim de ação de graças.
E por tudo isso e muito mais: Feliz Dia do Padre para aqueles que tiveram a coragem de responder ao chamado de Deus e entregar suas vidas inteiramente a serviço de seu povo.
Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio. A teóloga é autora de “Ser cristão hoje" (Editora Ave Maria).
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