O Jornal On Line O PORTA-VOZ surgiu para ser o espaço onde qualquer pessoa possa publicar seu texto, independentemente de ser escritor, jornalista ou poeta profissional. É o espaço dos famosos e dos anônimos. É o espaço de quem tem alguma coisa a dizer.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Mártires que não morrem nunca



Marcelo Barros



Em grego, o termo mártir significa testemunha. Comumente é quem dá a vida ou sofre consequências por ser testemunha da dignidade humana e da liberdade. Há mártires nas lutas sociais por um mundo mais justo,no combate ao racismo, na defesa da natureza e na defesa da fé. Nesses dias, na faixa de Gaza, em meio aos ataques do Estado de Israel à população palestina, voluntários de vários países e de diversas religiões arriscam a vida ao socorrer feridos e ajudar pessoas a sobreviver. São mártires vivos, embora alguns acabam feridos e até mortos pelos tiroteios. Na América Latina, a luta contra as ditaduras, pela democracia e pela justiça teve e tem ainda muitos mártires. Como, na Bíblia, diz a carta aos hebreus: “eles formam uma imensa nuvem de testemunhas”. Nesses dias, no Brasil, as comunidades cristãs de base e os movimentos sociais celebram os 40 anos do martírio do frei Tito Alencar. Por causa de sua fé no reino de Deus e pelo seguimento do profeta Jesus, junto com outros jovens dominicanos, no final dos anos 60, esse irmão enfrentou a ditadura militar brasileira. Foi preso em São Paulo e durante vários dias foi barbaramente torturado. Ainda na prisão, ele escreveu o relato fiel e sóbrio dessas sessões de tortura, comandadas pelo delegado Sérgio Fleury e por sua equipe do DOPS em São Paulo. Esse escrito, fielmente transcrito em um livro de Frei Betto, até hoje, comove profundamente qualquer pessoa que o lê. Ao escutá-lo, um cristão sente os ecos dos primeiros cristãos contando nos evangelhos os sofrimentos e morte de Jesus na cruz. 

Mais de um ano depois, o nome de Frei Tito foi incluído na lista dos presos políticos a serem libertados pela ditadura, em troca do embaixador suíço que tinha sido sequestrado. Obrigado a viver no exílio, longe do Brasil, Frei Tito não conseguiu libertar-se dos traumas sofridos durante as torturas. Na permanente angústia e terror de ver o seu torturador em todo lugar, ele acabou se enforcando em um convento da França, onde estava exilado. Desde a sua morte, em 10 de agosto de 1974, as comunidades cristãs latino-americanas o consideram um irmão que deu a vida pela causa do reino de Deus e sua justiça. Vinte anos depois, seus restos foram transferidos ao Brasil e, atualmente, repousam em Fortaleza, sua cidade natal. 

Nesses dias,a província dominicana do Brasil e as comunidades da caminhada promovem vários eventos para recordar os 40 anos do martírio de frei Tito e refletir sobre a atualidade do seu testemunho para os nossos dias. Graças a Deus, não vivemos mais os tempos duros da repressão militar, mas até hoje, tantos anos depois, não conseguimos esclarecer a maioria dos crimes, fazer justiça às famílias dos muitos desaparecidos e, principalmente, garantir que crimes como a tortura nunca mais se repitam. No Brasil de hoje, a tortura continua sendo praticada em muitas delegacias de todo o país. No ano passado, no Rio de Janeiro, o pedreiro Amarildo foitorturado e assassinado por soldados que tinham como missão pacificar os morros do Rio. Em todas as regiões do país, quase diariamente, são sumariamente assassinados adolescentes e jovens de periferia, em sua maioria, negros e pobres. Nesses dias, começamos o tempo de campanha política para as próximas eleições. A segurança pública e a questão da violência urbana são temas frequentemente lembrados nas campanhas, mas raramente são abordados a partir da vida dos mais pobres e desprotegidos. 

Ao recordar os 40 anos do martírio de Frei Tito, temos a responsabilidade de fazer com que o seu sacrifício continue sendo fecundo e possa nos comprometer na construção de uma sociedade nova.
No final dos anos 70, na Nicarágua, um chefe da guarda nacional, responsável pela repressão na ditadura de Somoza, quis dobrar a resistência dos prisioneiros políticos. Entrou no cárcere e com grande alegria, anunciou:
- Hoje, o comandante Carlos Fonseca caiu em uma emboscada que preparamos. Morreu  

Um dos prisioneiros, o comandante sandinista Tomás Borge respondeu na mesma hora:
Carlos Fonseca é dos mortos que nunca morrem. 

Hoje, ao recordar essa história podemos dizer o mesmo com os mártires da caminhada. Principalmente, se renovamos nosso compromisso de luta pela justiça e pela libertação do nosso povo e de todo o continente, podemos afirmar com confiança: Frei Tito é dos mártires que não morrem nunca. Estão sempre vivos na atualidade das causas em que acreditamos e pelas quais pacificamente lutamos. 


Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.  

CLIQUE AQUI - PARA ACESSAR TEXTOS MAIS ANTIGOS ANTERIORES AO BLOG




Nenhum comentário:

Postar um comentário