Em meu último artigo neste Porta-Voz, falei sobre um sionismo cristão adotado por alguns adeptos do cristianismo, que chega a apoiar incondicionalmente o Estado de Israel e seu governo na limpeza étnica praticada contra os palestinos, em desobediência a resoluções da ONU e aos Acordos de Oslo. Diante de mais um massacre do governo israelense contra os palestinos de Gaza, que não respeita crianças, civis em geral nem mesquitas e instalações das Nações Unidas, me animo a tratar hoje do sionismo propriamente dito, aquele dos judeus, que deu origem ao Estado de Israel.
No final do século 19, as comunidades judaicas da Europa estavam mais fortalecidas, após séculos dos “pogroms” habituais no império tzarista e Europa oriental, e também devido à ascensão do socialismo. A partir dos pensamentos e ação de Theodore Herzl, o movimento sionista começou a se consolidar, a partir sobretudo do Congresso Sionista em 1897. Sua base está no suposto direito, que os israelitas passaram a adotar e cultivar, de retornar a sua terra bíblica, de onde haviam sido expulsos pelo Império Romano, originando as diversas diásporas. O movimento que se ampliou a partir de suas iniciativas criou também instrumentos políticos, econômicos e uma organização para por em prática suas bases ideológicas.
O objetivo central do sionismo era construir uma lar nacional judaico na Palestina, então dominada pelo Império Otomano e, mais tarde, pela Grã-Brertanha. Dentro dele havia e há muitas tendências, desde o sionismo religioso ao socialista, colaborando todas para o desfecho de 1948, quando foi estabelecido o atual Estado de Israel. Sion é um termo usado como sinônimo de Jerusalem. Durante o século 20, o sionismo promoveu a migração para a Palestina de milhares de judeus, que foram comprando terras ali e se estabelecendo principalmente na agricultura, através de cooperativas agrícolas, que chamam ”kibbutz” (“kibbutzim” no plural). Viviam em paz com os palestinos, pois, ao contrário do que passou a ocorrer com a criação do Estado de Israel, eles pagavam pelas propriedades que adquiriam. A partir de 1948, deu-se o confisco organizado e planejado de terras dos palestinos, que eram forçados a deixar tudo e partir para exílios que duram até hoje.
A comoção mundial ao se descobrirem os horrores perpetrados contra milhões de judeus europeus, pelo regime nazista da Alemanha, de 1932 a 1945, contribuiu muito para que os países ocidentais em geral favorecessem a criação do Estado de Israel. Tinham a consciência pesada pelo seu multissecular antissemitismo.
Aconteceu porém que, além do desejo de voltar à terra bíblica de Israel, os líderes israelenses passaram (ou isso já se continha implicitamente em sua ideologia) à prática de uma limpeza étnica da Palestina, o que está documentado no livro que já citei do historiador judeu e israelense Ilan Pappe (The ethnic cleansing in Palestine). Não sendo, naquela época, a Palestina um Estado independente, os líderes árabes que a tutelavam não quiseram aceitar o Estado binacional proposto pela ONU nem a constituição de um Estado palestino. Passaram a fazer guerras e mais guerras perdidas contra Israel. Sem nenhuma competência bélica, o que ocorreu foi o Estado judeu ir comendo pelas beiradas as terras que haviam sobrado para os multisseculares habitantes da região.
Achando pouco, o governo israelense resolveu implantar colônias judaicas no exíguo território que deveria constituir o Estado palestino. Os líderes israelenses aceitaram assinar os Acordos de Oslo que, entre outras providências, criaram a Autoridade Nacional Palestina (ANP), um embrião do futuro Estado. Hoje, é cada vez menor essa “autoridade” e Israel controla tudo na Palestina, inclusive o direito de ir e vir dos palestinos. Até muro tem. Muro de Berlim não podia, mas muro contra palestinos e até muro estadunidense contra imigrantes ilegais pode. Dá pra entender tanta coerência ocidental e democrática?
Para complicar, o Hamas, ramo mais radical da oposição palestina, decidiu reservar para si a Faixa de Gaza e, a partir dali, disparar mísseis contra o território israelense. Num momento em que o Hamas se aproximava da ANP, desencadeiam novo massacre contra a população de Gaza, sob o pretexto de atacar bases do Hamas. Sob as asas da águia americana, Israel se dispensa de acatar qualquer resolução das Nações Unidas.
Sempre que abordo este tema, chovem sobre mim acusações de antissemitismo, antijudaismo. Como posso ser contra os judeus se Jesus Cristo, Maria, os apóstolos, os primitivos cristãos eram judeus? Se Cristo queria apenas dar uma nova vida à religião mosaica? Ser contra o governo de Israel e a limpeza étnica da Palestina não é ser contra os judeus. Temos o direito de criticar tudo isso que os tais de sionistas “cristãos” ousam defender.
Juracy Andrade é jornalista com formação em filosofia e teologia.
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