Por Maria Clara Bingemer
Era uma segunda-feira de Carnaval, oito horas da manhã e eu dormia em
Petrópolis, Estado do Rio. Fui acordada pelo telefonema da jornalista que me
pedia para falar sobre a renúncia do Papa. Ao perguntar “que papa?”, ela
viu que eu ignorava ainda a notícia e disse que telefonaria depois.
Liguei a televisão e fui submergida em espanto: Bento XVI havia
renunciado. E dia 11 de fevereiro fez um ano que isto aconteceu.
Imediatamente senti que aquilo era algo positivo, e que havia a mão de Deus por
trás do gesto do Papa. As opiniões em volta não podiam ser mais
contraditórias. Muitos se encontravam chocados. Nunca se havia
visto tal coisa: um Papa renunciar. A insegurança se apoderava das
pessoas. E o mundo, que até então ia progressivamente deixando de prestar
atenção à muito antiga instituição chamada Igreja Católica, agora voltava
atento seus olhos para Roma.
Depois
disso foi o que se sabe e o que se viu. As semanas do Conclave e a Igreja
Católica ocupava as manchetes da principal mídia todos os dias. Nunca
menos de quatro páginas, podendo chegar a doze. Um desmentido rotundo à
profecia de que a religião não interessa a mais ninguém, que perdeu seu papel
na sociedade etc. E depois veio o - primeiro, suave e depois fortíssimo
- “ boom” Francisco, de cujos efeitos vivemos até hoje.
A figura do intelectual refinado Bento XVI, que ocupava o centro do mundo
eclesial foi conhecendo um lento e suave “fading out”. Conforme suas
próprias declarações ao despedir-se de Roma e da Sé de Pedro, o Papa Bento faz
agora, nesta fase final de sua vida, aquilo de que mais gosta: rezar e
dedicar-se ao estudo da teologia e à música. Os que conhecem o estilo do
Papa Emérito sabem da influência beneditina sobre sua espiritualidade. Na
verdade, Bento XVI sempre foi um monge, e isso o aproxima de um seu antigo
predecessor, o único Papa na história da Igreja Católica que renunciou ao
mandato antes que este chegasse ao fim: Celestino V. Tinha tal nostalgia da
vida monástica que não suportou o papado. Parece que isso aconteceu outra vez
há um ano.
Levando vida monástica, Bento XVI vive retirado, não interfere no pontificado
de Francisco, embora se diga que este o consulta repetidas vezes sobre muitos
assuntos. Mas parece que efetivamente faz o que prometeu: dedicar-se à
oração, ao estudo e à música. E no centro de suas preces certamente estão
a Igreja e seu sucessor, Jorge Mario Bergoglio, primeiro papa latino-americano
e jesuíta.
Enquanto isso, Francisco no para. Tanto que é difícil acompanhá-lo. A
cada dia uma novidade, uma surpresa, uma ideia. E o mundo o segue
encantado. Mudou a imagem da Igreja não em meses, mas em dias. E
caminha para o primeiro aniversário de seu pontificado com a popularidade
certamente em alta, apesar de, evidentemente, contar com alguns opositores. Não
chegam a atrapalhá-lo. O Papa que veio do fim do mundo é firme e
resistente. E tem treino missionário dos bons, ótimos. É difícil
abalá-lo e quebrar seu sorriso e sua energia.
E é providencial que assim aconteça: é
muito o trabalho que tem pela frente. E todo esse imenso trabalho, tão
necessário, indispensável mesmo, Bento XVI viu que não podia
realizar. E em vez de aferrar-se ao cargo e continuar, teve a nobreza, a
coragem, a imensa estatura espiritual de renunciar, afastar-se, deixar o espaço
para outro. Raras vezes se viu tamanho gesto de desprendimento pessoal e
amor à Igreja. E esta deverá sempre ser grata a este Papa, que sofreu
tanto em seus poucos anos de pontificado e o terminou com um gesto tão belo e
evangélico, abrindo um precedente que poderá aproximar muito mais a Igreja do
sonho de Jesus e de Deus seu Pai: não ser lugar de poder, mas de serviço.
Hoje, o Papa Francisco pediu orações por
seu antecessor. É evidente que todos nos animaremos a atendê-lo.
Devemos a Bento XVI termos agora essa esperança da Igreja que sonhamos. E
sonhar esse sonho amparados por dois irmãos, dois servidores, dois pastores,
dois bispos de Roma que presidem as outras igrejas na caridade. É
realmente uma enorme graça ter um papa agindo e outro orando, um papa trabalhando,
viajando, e outro contemplando, um papa visível e o outro recolhido,
acompanhando de longe mas tão perto.
No aniversário de sua renúncia, só podemos
dizer obrigada. Que o Senhor culmine de bênçãos seus últimos
anos e que possa ver os frutos de seu gesto de amor à Igreja de Cristo.
Amém.
Maria Clara Bingemer,
professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio. A teóloga é autora de “O
mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”,
Editora Rocco.
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