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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Um Olhar Protestante sobre a Igreja Católica



por J u r a c y   A n d r a d e


     O terceiro número da nova revista Olhar Cristão, editada pela mesmo grupo da excelente revista pernambucana Algomais, traz breve artigo intitulado ‘Por uma Igreja mais simples’, que retrata a impressão causada pelo novo papa em comunidades protestantes. Desculpem, pois protestante parece uma denominação antiquada; hoje se fala muito mais em evangélico para designar os membros de igrejas reformadas. Acredito, contudo, que protestante é um termo forte e mais adequado mostrando a ruptura com a Igreja de Roma, o protesto de cristãos e teólogos inconformados com as estripulias do Vaticano e dos papas, como venda de indulgências, supercentralização contrária à tradição apostólica, etc. etc. etc. Além de que todo cristão não pode deixar de ser evangélico. E tem mais: há uma chusma de assim ditas igrejas, que se apresentam como neopentecostais e evangélicas, mas não são mais que grandes empresas financeiras que fariam Lutero e outros reformadores se mexerem em seus túmulos.

     O que mais impressiona o articulista, que não assina seu nome, é o discurso e a prática de Francisco contra o luxo e a ostentação; por uma Igreja mais simples que faça uma opção preferencial pelos pobres; e contra as raízes das injustiças sociais. É a volta aos princípios que marcaram os primórdios da fé cristã. É a crítica à supervalorização da Igreja como instituição. Refere-se ainda aos debates e mudanças que foram impulsionados pelo Concílio dos anos 1960 (convocado por João 23), com seus desdobramentos do lado de cá do Atlântico nas conferências episcopais de Medellín, na Colômbia em 1968, e de Puebla, no México em 1972.

     Lembro, por minha conta, a retomada do controle pela Cúria Romana, a corte papal do Vaticano, que levou a recuos do papa Paulo 6º em relação aos aggiornamenti e propostas do Concílio e à gigantesca volta atrás dos papas João Paulo 2º e Bento 16, que pretendiam voltar ao Concílio de Trento (o concílio contra o protestantismo) e a uma Igreja medieval. O Sínodo dos Bispos, tradição apostólica restaurada pelo Concílio dos anos 1960, foi escanteado em proveito da corte dos cardeais. As conferências episcopais passaram a sofrer feroz censura valendo apenas o que fosse aprovado no Vaticano, como ocorreu anos atrás em Aparecida.
Outra revista voltada para os protestantes mas com grande marca ecumênica, Ultimato, dirigida pelo pastor Elben M. Lenz César em Viçosa, MG, chama especialmente a atenção de seus leitores para a opção preferencial pelos pobres do papa Francisco. Lembro que trata-se de uma marca da Teologia da Libertação, tão malvista e perseguida pelos valentes papas medievais (autênticos imperadores de Roma) Wojtyla e Ratzinger. Assina o artigo René Kivitz. Lembra que Francisco apresentou-se à multidão na Praça de São Pedro como bispo de Roma e não Sumo Pontífice (título imperial), trocou o trono dourado por uma cadeira branca bem simples, usa um anel de prata e sapatos comuns (Bento usava Prada), uma cruz de aço pendurada no pescoço. Mora num hotel simples que hospeda bispos que viajam a Roma. Mistura-se ao povo e não usa carro blindado. Foi a Lampedusa ver os miseráveis que tentam migrar para a Europa. Num grande engarrafamento de trânsito no Rio, não deixou de acenar para as pessoas. Simplicidade, serviço aos pobres, agenda social mais importante que a moral e a dogmática. Ele está familiarizado com as mazelas do Terceiro Mundo.

    O exemplo de Francisco leva o autor a lembrar passagens bíblicas e neotestamentárias. Os seguidores de João Batista são instados a dar frutos dignos de arrependimento, apresentar evidências de seu compromisso com o Reino de Deus: quem tem duas túnicas deve dar uma e quem tem comida deve reparti-la.

     Acrescento algumas observações. Nem a preocupação e a ação de Francisco contra a chaga da pedofilia (fruto do autoritarismo clerical e do celibato forçado) contentaram o encarregado de um relatório da Comissão de Direitos Humanos da ONU, que se afastou de suas atribuições desacreditando as ações da própria organização, como disse o porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi. Não é raro que esse tipo de funcionário misture suas convicções com a realidade adotando posições preconceituosas, anticatólicas no caso. A acusação valia até há pouco tempo: sobrepor o interesse do Vaticano ao das vítimas, adotando um código de silêncio.

    O caso desse relatório da ONU lembra o caso do padre Lancelotti, que cuida em São Paulo do povo da rua, inclusive menores. Foi falsamente acusado de pedofilia (depois absolvido) e, na ocasião, uma emissora pertencente a uma igreja rival deitou e rolou dias e dias sobre o falso caso de pedofilia.

     A chaga de que falamos é uma realidade crua e embaraçosa. Papas anteriores ao Hermano procuraram jogar o lixo para baixo do tapete, passando a mão na cabeça de pedófilos e até (João Paulo 2º) beatificando um notório pedófilo mexicano, um tal de Maciel. Mas como ignorar, num documento oficial de uma organização desmoralizada, mas ainda firme, os esforços e ações da Igreja de Francisco?


Juracy Andrade é jornalista com formação em filosofia e teologia

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