por Assuero Gomes
O poço assegura a vida da
comunidade. Nele vieram beber os antepassados dos antepassados. Ele é perene,
quase eterno. Mata a sede toda vez que lho procuram.
Ao redor dele os anciãos
conversam suas histórias de geração em geração, lá as crianças aprendem a
respeitar e perpetuar a tradição. O poço é sagrado, por isso precisa ser bem
protegido e vigiado, nada pode ameaçar sua existência.
Ele representa a instituição que assegura a continuidade da vila. O que seria da vida sem a água do poço?
É bem verdade que a água
do poço é parada, mas é segura. Ninguém ousou jamais sair da vila sem carregar
a sua água em recipientes hermeticamente fechados, para não contaminarem o
precioso carregamento.
É bem verdade também, que
matar a sede com a água do poço requer trabalho e sacrifício. A roldana, a
corda, o balde, o cantil, o peso, a aspereza da corda, a dor nas costas, a
retirada da água é cada vez mais funda, mais sacrificada, mais pesada.
... estamos tirando mais
água do poço e a sede aumentando num moto contínuo. É a vida nossa, foi a de
nossos pais e a de nossos avós. Certamente será a dos nossos filhos e netos,
pois o poço parece eterno, a vila parece eterna, o deserto é eterno e imutável.
O rito de retirar e
utilizar a água do poço deve ser seguido sem alteração, pois ela pode secar um
dia. Será?
A água do poço deve ser
usada com parcimônia e bem distribuída esta preciosa água de nossos avós. O
poço é fundo, chega às nossas raízes, nesta terra onde repousam os ossos dos
nossos ancestrais. Deve ser cercado e controlado.
Mas Jesus é Fonte. A fonte é diferente. Ela brota, ela jorra. É água e água em abundância. Para todos, sem fronteiras, sem cercas.
Mas Jesus é Fonte. A fonte
é diferente. Ela brota, ela jorra. É água e água em abundância. Para todos, sem
fronteiras, sem cercas. Não respeita o deserto, ao contrário, ela o invade, o
destrói e em seu lugar faz brotar um jardim e pomares, onde os pássaros de Deus
vêm fazer seus ninhos.
A fonte não tem controle.
Não respeita os limites da vila nem os ritos para apanhar sua água. É singela e
límpida. Não se limita às instituições nem a seus instituídos, pois jorra à
flor da terra para quem quiser beber, a qualquer hora, dia e noite, sem filas e
sem favores, sem tradições, sem limites.
E a água da fonte
escorre por entre ruas e vielas, abre caminhos, alarga as margens, subverte os
muros e as grades, rompendo-os. E vai se alargando no horizonte. Daqui a pouco
será riachos, será rios, será oceano.
A aridez dos ossos
ressequidos será revolvida, na terra, agora úmida, agora fértil, e a tradição
enterrada será brotada em vida, como adubo. E fertilizará os campos e haverá
trigo e haverá uva, e as abelhas farão córregos de mel e as ovelhas
verterão leite das encostas, e haverá pão distribuído em fraternidades e vinho
em abundância, e os pobres se alegrarão e farão refeição, pois a água viva é
para todos os povos, todas as vilas e todas as nações.
Num dia claro de sol,
sobre a relva e a brisa suave, os homens e as mulheres e as crianças de todos
os lugares festejarão, alegres, a água da fonte repartida em pão, luz e
alegria, tranquilos, e já não pensarão mais no poço, pois a água que jorra de
Jesus terá inundado de claridade todos os poços da Terra.
Assuero Gomes é médico, escritor e pintor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário