FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(27/02/2021)
Esta
semana me chamou a atenção uma entrevista da cantora Teresa Cristina, no
programa Roda Viva, da TV Cultura. Um dos entrevistadores perguntou "você
consegue separar arte de política?". Ela respondeu com um retumbante
"Impossível!" E acrescentou "Quando pronuncio o nome Francisco
Buarque de Holanda, isso já é política."
Puxa! que poder de síntese!
Logo me vieram à mente outros
questionamentos similares: "detesto política", "política e
religião não se misturam", "não confio em nenhum político",
"prefiro anular meu voto" e
por aí afora. E quando pronunciamos
palavras santas: Deus, Jesus de Nazaré? E outras derivadas destas: Igreja,
Família? E quando apenas respiramos, comemos, bebemos, cantamos ou, enfim,
silenciamos? Em algum destes momentos estamos imunes de qualquer conteúdo
político? Haverá algum item da "Declaração Universal dos Direitos
Humanos" que legitime a total alienação política?
Não dá para responder a estas questões sem
antes purificar o nosso entendimento. A palavra "política" acumulou a
lama de todos os vícios e delitos humanos, ao longo de milênios. Agora não é
nada fácil enxergar, através dessa crosta, a
sua pureza original.
Estamos fartos de saber que ela se origina
do idioma grego, que "polis" quer dizer cidade, que política,
enquanto ação, constitui o exercício da cidadania. O mais genial dos pensadores
gregos, Aristóteles, tratou de dar-lhe um significado existencial:
"política é a ciência que tem como objetivo a felicidade humana".
"Vemos que toda cidade é uma espécie de comunidade. E toda comunidade se
forma com vistas a algum bem, pois todas as ações de todos os homens são
praticadas visando o que lhes parece um bem", escreve o filósofo.
À luz desta compreensão, somos convidados
a responder às perguntas acima expostas, com o acréscimo de uma nova, mais atrevida: Deus age de outra maneira que não seja
politicamente?
Ninguém melhor para dar uma resposta do
que o seu Filho Jesus. "Tudo bem, dirão alguns, mas Jesus nunca fez
política". Na verdade, Ele não conseguiu pregar sua doutrina publicamente
senão no curto tempo de três anos. E foi condenado com uma sentença de natureza
claramente política ("é preciso que Ele morra para que não pereça toda a
nação" Jo.11,5) Quanto tempo o deixariam viver, caso Ele tivesse afrontado
de peito aberto os poderes dominantes?
O equívoco de muita gente é imaginar que
fazer política exige necessariamente fazer discursos partidários ou
ideológicos, ou em oposição direta aos governos opressores. Há um critério de
fácil compreensão para quem tem dúvidas a este respeito. É o critério dos
resultados. O que resultou, politicamente, para o Império Romano, da pregação
do Evangelho, nos séculos que se seguiram? O que tem fortalecido, desde então e
ainda hoje, o espírito dos que precisam de um poder transcendental sobre sua
consciência política? Que ideologia pode comparar-se à fé inabalável de quem
crê que possui o aval de Deus e realiza a sua vontade quando combate toda forma
de opressão?
O Brasil já foi destaque internacional
pelo seu pioneirismo na pesquisa e prática de vacinação contra doenças
endêmicas. Hoje é um dos últimos l da fila no combate eficaz contra a covid 19.
Alguém pensa que haja outro motivo para isso que não seja única e
exclusivamente a falta de vontade política?
Políticos profissionais posam de fiéis
devotos e do nome de Deus fazem bandeira para suas campanhas. Eles sabem que a
maioria de seus eleitores, vendo-os "tementes a Deus", terão menos
medo deles, e menos disposição para destroná-los, porque crêem que Deus protege
seu povo.
Quando vemos algumas denominações
religiosas fazer aliança e fechar acordos com o o poder dominante, temos razão
de desconfiar de suas intenções: são
ditadas pela Fé ou por um Projeto de Poder temporal?
Não há como negar, a política penetra em
todos os segmentos da sociedade.
A penitência deste tempo quaresmal não
pode nem deve fugir de suas consequências, uma vez que os acontecimentos da
História são também matéria prima para se construir o Reino de Deus. A morte de
Jesus foi uma resolução política daquela época. Sua resurreição, uma decisão
do Pai do Céu, para todos os tempos.
É aí que temos de escolher
nossas prioridades, atentos à exortação de Jesus: "vocês são o sal da
terra, vocês são a luz do mundo. Se o sal não salgar, se a luz não acender,
para mais nada servirão" Mt.5, 13-16. Amém.
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da
Tenda da Fé e escritor.
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