por Marcelo Barros
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domingo, 29 de abril de 2012
FELICIDADE NÃO SE COMPRA
por Marcelo Barros
QUEM CUIDA DO CUIDADOR?
por Leonardo Boff
As primeiras e mais ancestrais cuidadoras são nossas mães e avós que desde o início da humanidade cuidaram de sua prole. Caso contrário, não estaríamos aqui escrevendo sobre o cuidado.
Neste contexto queremos mencionar duas figuras, verdadeiros arquétipos do cuidado: o médico suiço Albert Schweitzer (1875-1965) e a enfermeira inglesa Forence Nightingale (1820-1910).
Albert Schweitzer era exímio exegeta bíblico e um dos maiores concertistas de Bach de seu tempo. Aos trinta anos já com fama em toda a Europa, largou tudo, estudou medicina para, no espírito das benaventuranças de Jesus, cuidar dos mais pobres dos pobres (os hansenianos) em Lambarene no Gabão. Numa de suas cartas confessa explicitamente: ”o que precisamos não é de missionários que queiram converter os africanos, mas de pessoas dispostas a fazer aos pobres o que deve ser feito, se é que o Sermão da Montanha e as palavras de Jesus possuem algum valor. Minha vida não está nem na arte nem na ciência mas em ser um simples ser humano que no espírito de Jesus faz algo por insignificante que seja”. Foi dos primeiros a ganhar o Prêmio Nobel da Paz.
VENDE-SE A NATUREZA
por Frei Betto
Às vésperas da Rio+20 é imprescindível denunciar a nova ofensiva do capitalismo neoliberal: a mercantilização da natureza. Já existe o mercado de carbono, estabelecido pelo Protocolo de Kyoto (1997). Ele determina que países desenvolvidos, principais poluidores, reduzam as emissões de gases de efeito estufa em 5,2%.
Surge agora nova proposta: a venda de serviços ambientais. Leia-se: apropriação e mercantilização das florestas tropicais, florestas plantadas (semeadas pelo ser humano) e ecossistemas. Devido à crise financeira que afeta os países desenvolvidos, o capital busca novas fontes de lucro. Ao capital industrial (produção) e ao capital financeiro (especulação), soma-se agora o capital natural (apropriação da natureza), também conhecido por economia verde.
A diferença dos serviços ambientais é que não são prestados por uma pessoa ou empresa; são ofertados, gratuitamente, pela natureza: água, alimentos, plantas medicinais, carbono (sua absorção e armazenamento), minérios, madeira etc. A proposta é dar um basta a essa gratuidade. Na lógica capitalista, o valor de troca de um bem está acima de seu valor de uso. Portanto, tais bens naturais devem ter preços.
Os consumidores dos bens da natureza passariam a pagar, não apenas pela administração da “manufatura” do produto (como pagamos pela água que sai da torneira em casa), mas pelo próprio bem. Ocorre que a natureza não tem conta bancária para receber o dinheiro pago pelos serviços que presta. Os defensores dessa proposta afirmam que, portanto, alguém ou alguma instituição deve receber o pagamento - o dono da floresta ou do ecossistema.
A proposta não leva em conta as comunidades que vivem nas florestas. Uma moradora da comunidade de Katobo, floresta da República Democrática do Congo, relata:
“Na floresta, coletamos lenha, cultivamos alimentos e comemos. A floresta fornece tudo, legumes, todo tipo de animal, e isso nos permite viver bem. Por isso que somos muito felizes com nossa floresta, porque nos permite conseguir tudo que precisamos. Quando ouvimos que a floresta poderia estar em perigo, isso nos preocupa, porque nunca poderíamos viver fora da floresta. E se alguém nos dissesse para abandonar a floresta, ficaríamos com muita raiva, porque não podemos imaginar uma vida que não seja dentro ou perto da floresta. Quando plantamos alimentos, temos comida, temos agricultura e também caça, e as mulheres pegam siri e peixe nos rios. Temos diferentes tipos de legumes, e também plantas comestíveis da floresta, e frutas, e todo de tipo de coisa que comemos, que nos dá força e energia, proteínas, e tudo mais que precisamos.”
O comércio de serviços ambientais ignora essa visão dos povos da floresta. Trata-se de um novo mecanismo de mercado, pelo qual a natureza é quantificada em unidades comercializáveis.
Essa ideia, que soa como absurda, surgiu nos países industrializados do hemisfério Norte na década de 1970, quando houve a crise ambiental. Europa e EUA tomaram consciência de que os recursos naturais são limitados. A Terra não tem como ser ampliada. E está doente, contaminada e degradada.
Frente a isso, os ideólogos do capitalismo propuseram valorizar os recursos naturais para salvá-los. Calcularam o valor dos serviços ambientais entre US$ 16 e 54 trilhões (o PIB mundial, a soma de bens e serviços, totaliza atualmente US$ 62 trilhões). “Está na hora de reconhecer que a natureza é a maior empresa do mundo, trabalhando para beneficiar 100% da humanidade – e faz isso de graça”, afirmou Jean-Cristophe Vié, diretor do Programa de Espécies da IUCN, principal rede global pela conservação da natureza, financiada por governos, agências multilaterais e empresas multinacionais.
Em 1969, Garret Hardin publicou o artigo “A tragédia dos comuns” para justificar a necessidade de cercar a natureza, privatizá-la, e assim garantir sua preservação. Segundo o autor, o uso local e gratuito da natureza, como o faz uma tribo indígena, resulta em destruição (o que não corresponde à verdade). A única forma de preservá-la para o bem comum é torná-la administrável por quem possui competência – as grandes corporações empresariais. Eis a tese da economia verde.
Ora, sabemos como elas encaram a natureza: como mera produtora de ‘commodities’. Por isso, empresas estrangeiras compram, no Brasil, cada vez mais terras, o que significa uma desapropriação mercantil de nosso território.
Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Barros, de “O amor fecunda o Universo – ecologia e espiritualidade” (Agir), entre outros livros. www.freibetto.org <http://www.freibetto.org> Twitter:@freibetto.
Copyright 2012 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)
UMA REFERÊNCIA DO TEMPO
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Maria Clara Bingemer é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.
Copyright 2012 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)
sábado, 14 de abril de 2012
A CRISE DA ÁGUA E A SEDE DE VIDA

por Marcelo Barros
Na próxima semana, dia
Há diversos motivos para esta crise. O planeta Terra tem 75% de sua superfície ocupada por oceanos, mas a água doce representa apenas 2,5% deste total. No último século, a população mundial aumentou muito e na maioria dos países a urbanização se fez de modo descontrolado. É ao redor das 217 bacias fluviais internacionais que se concentra 40% da população da humanidade. Por causa do crescimento demográfico e da poluição, nos últimos 30 anos, os recursos hídricos foram reduzidos em 40%. Da água disponível que tínhamos, a humanidade acabou com 5000 Km2. E muitos, ainda se comportam como se a água fosse um bem inesgotável. Usam os recursos hídricos de modo irresponsável e injusto.
A água é um recurso natural limitado e pode acabar. Tem valor econômico e competitivo no mercado. Não pode ser desperdiçada (cada vez que se toma um banho com chuveiro aberto todo o tempo desperdiça-se mais água do que se usa). Quase todos os países atualizam legislações sobre a água. Em vários lugares, há conflitos entre povos por causa da água. Há quem diga que as guerras do futuro serão por causa de água. Organizações não Governamentais e movimentos populares defendem que a água não deve ser mercantilizada – ela é mais do que uma mercadoria – e menos ainda privatizada. A Pastoral da Terra declara: “Sendo a água constitutiva do ser humano, da vida como um todo e do meio ambiente, ela é um direito natural, patrimônio da humanidade, dádiva divina e não obra humana. Por isso, ela não pode ser reduzida a uma mercadoria e a um bem particular. E nenhum ser humano pode arrogar a si o poder de negar a qualquer semelhante ou ser vivo este bem essencial à vida”.
O cuidado com a água tem, então, motivos sociais e econômicos. Mas, a nossa relação com a água só mudará se aprendermos com as culturas religiosas antigas a nos relacionarmos com a terra e com a água de forma amorosa e espiritual. A Bíblia fala da água como símbolo do Espírito de Deus que derrama sobre o universo uma vida nova. Cuidar bem da água e defender os rios e fontes é uma forma de reconhecer a presença divina no universo, defender a vida e participar da Páscoa pela qual Deus “renova todas as coisas” (Ap 21, 5).
PANTEÍSMO VERSOS PANENTEÍSMO

por Leonardo Boff
Uma visão cosmológica radical e coerente afirma que o sujeito último de tudo o que ocorre é o próprio universo. É ele que faz emergir os seres, as complexidades, a biodiversidade, a consciência e os conteúdos desta consciência pois somos parte dele. Assim, antes de estar em nossa cabeça
Antes, orienta a seta do tempo para a emergência de ordens cada vez mais complexas, dinâmicas (portanto, que se distanciam do equilíbrio para buscar novas adaptações) e carregadas de propósito. Deus comparece, na linguagem das tradições transculturais,
O panenteísmo deve ser distinguido claramente do panteísmo. O panteísmo (em grego: pan-tudo; theos=Deus) afirma que tudo é Deus e Deus é tudo. Sustenta que Deus e mundo são idênticos; que o mundo não é criatura de Deus mas o modo necessário de existir de Deus. O panteísmo não aceita nenhuma diferença: o céu é Deus, a Terra é Deus, a pedra é Deus e o ser humano é Deus. Esta falta de diferença leva facilmente à indiferença. Se tudo é Deus e Deus é tudo, então é indiferente se me ocupo com uma menina estuprada num ônibus no
Tudo não é Deus. As coisas são o que são: coisas. No entanto, Deus está nas coisas e as coisas estão em Deus, por causa de seu ato criador. A criatura sempre depende de Deus e sem Ele voltaria ao nada de onde foi tirada. Deus e mundo são diferentes. Mas não estão separados ou fechados. Estão abertos um ao outro. Se são diferentes, é para possibilitar o encontro e a mútua comunhão. Por causa dela superam-se as categorias de procedência grega que se contrapunham: transcendência e imanência. Imanência é este mundo aqui.
RESSURREIÇÃO: MODO DE VIVER

por Maria Clara Bingemer
A narrativa da Ressurreição sempre nos recorda a morte. Só ressuscita quem morreu. E o suplício ignóbil pelo qual passou aquele homem que só fazia o bem intrigava e escandalizava a todos que nele haviam acreditado. A experiência de ver vivo o que haviam visto Crucificado e morto desvela fulgurantemente a resposta de Deus sobre o destino da humanidade: a vida em plenitude.
Mais importante, porém, do que recordar a morte daquele que se foi é aprender de sua vida e dispor-se a entrar em um novo modo de viver. O mistério pascal – morte e ressurreição de Jesus Cristo – não apenas ilumina e ajuda a reler sua vida, mas também ensina poderosamente qual é a vida que Deus diz que é plena, perene e que não é engolida pela morte.
Por isso, mais importante do que crer na ressurreição após a morte, é viver desde já como ressuscitados. É aceitar que o mistério da Ressurreição de Jesus Cristo da cruz e do túmulo configure nossa vida e lhe dê uma nova forma. Não forma física, pois não se trata de reencarnação, mas forma nova no espírito que por sua vez transfigura a corporeidade e a totalidade do humano.
Viver como ressuscitados é viver fora de si. Ser sábio de uma loucura repudiada pelos sábios deste mundo que crêem conhecer e dominar a riqueza e o poder, mas na verdade por elas são dominados. É “saber” com uma força indestrutível que somos criados pelo Autor da vida a cada minuto para viver e dar vida. E quanto mais vida dada, tanto mais vida recebida. Trata-se de conhecer o jogo que aí ganha nova preponderância: perder é ganhar, entregar-se e perder-se no amor e no serviço é encontrar-se e possuir-se.
Viver como ressuscitados é ter o olhar transfigurado pelo Espírito que permite ver beleza e dignidade onde parece só existir lixo e miséria. É ter ouvidos abertos para, em meio aos ruídos dissonantes, escutar murmúrios e clamores dos que amam e dos que sofrem e sentir-se comovido por eles. É sentir na boca o beijo exigente da fome e da sede de justiça e dar-se em eucarístico alimento para saciá-las. É estender as mãos para servir e ajudar aqueles que buscam um rumo em suas vidas solitárias e perdidas, e transmitir-lhes a inefável experiência de sentir-se amados, acompanhados e curados em suas feridas profundas e doloridas.
Viver como ressuscitados é encontrar o segredo da alegria, esse mistério tão desejado e ansiado pelo coração humano. É ser capacitado a encontrá-lo longe das drogas, viagens sem volta; longe das adicções e no abismo fecundo da paixão; longe do artificial sossego feito de conforto e diversão impunes e atravessado por urgências compadecidas.
Viver como ressuscitados é experimentar que o centro da vida se encontra à margem do caminho, muitas vezes ferido e semimorto; é saber que a criação é feita não para a destruição e a morte, mas para o baile do amor fecundo que não termina e se desdobra em frutos de paz, diálogo e convivência.
Viver como ressuscitados é estar sempre em movimento, sempre em busca, nunca instalados. É saber que não temos aqui morada permanente, mas não somente esperamos a que há de vir como a construímos com o sopro do Espírito presenteado pelo Ressuscitado aos discípulos ainda atônitos e assustados.
Viver como ressuscitados é levar no próprio corpo as marcas de Jesus para que a vida por Ele dada se manifeste plenamente ao mundo. É estar no mundo sem ser do mundo, mas pertencer ao Senhor. É não ter domicílio em nenhum lugar, mas encontrar o próprio lar dentro de si mesmo, onde o Espírito do Pai e do Filho faz morada.
Viver como ressucitados é, em suma, viver urgidos pela caridade, iluminados pela esperança, suportados pela fé no que ainda não se vê, mas se “sabe” que será. É não guardar para si este segredo sussurrado ao ouvido na manhã do domingo, mas anunciá-lo sem medo em todos os dias da semana, convertendo o discipulado em ardente e constante apostolado.
Maria Clara Bingemer é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.
Copyright 2012 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)
O PAPA E A UTILIDADE DO MARXISMO

por Frei Betto
O papa Bento XVI tem razão: o marxismo não é mais útil. Sim, o marxismo conforme muitos na Igreja Católica o entendem: uma ideologia ateísta, que justificou os crimes de Stalin e as barbaridades da Revolução Cultural chinesa. Aceitar que o marxismo conforme a ótica de Ratzinger é o mesmo marxismo conforme a ótica de Marx seria como identificar catolicismo com Inquisição.Poder-se-ia dizer hoje: o catolicismo não é mais útil. Porque já não se justifica enviar mulheres tidas como bruxas à fogueira nem torturar suspeitos de heresia. Ora, felizmente o catolicismo não pode ser identificado com a Inquisição, nem com a pedofilia de padres e bispos.
Do mesmo modo, o marxismo não se confunde com os marxistas que o utilizaram para disseminar o medo, o terror, e sufocar a liberdade religiosa. Há que voltar a Marx para saber o que é marxismo; assim como há que retornar aos Evangelhos e a Jesus para saber o que é cristianismo, e a Francisco de Assis para saber o que é catolicismo.
Ao longo da história, em nome das mais belas palavras foram cometidos os mais horrendos crimes. Em nome da democracia, os EUA se apoderaram de Porto Rico e da base cubana de Guantánamo. Em nome do progresso, países da Europa Ocidental colonizaram povos africanos e deixaram ali um rastro de miséria. Em nome da liberdade, a rainha Vitória, do Reino Unido, promoveu na China a devastadora Guerra do Ópio. Em nome da paz, a Casa Branca cometeu o mais ousado e genocida ato terrorista de toda a história: as bombas atômicas sobre as populações de Hiroshima e Nagasaki. Em nome da liberdade, os EUA implantaram, em quase toda a América Latina, ditaduras sanguinárias ao longo de três décadas (1960-1980).
O marxismo é um método de análise da realidade. E mais do que nunca útil para se compreender a atual crise do capitalismo. O capitalismo, sim, já não é útil, pois promoveu a mais acentuada desigualdade social entre a população do mundo; apoderou-se de riquezas naturais de outros povos; desenvolveu sua face imperialista e monopolista; centrou o equilíbrio do mundo em arsenais nucleares; e disseminou a ideologia neoliberal, que reduz o ser humano a mero consumista submisso aos encantos da mercadoria.
Hoje, o capitalismo é hegemônico no mundo. E de 7 bilhões de pessoas que habitam o planeta, 4 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza, e 1,2 bilhão padecem fome crônica. O capitalismo fracassou para 2∕3 da humanidade que não têm acesso a uma vida digna. Onde o cristianismo e o marxismo falam em solidariedade, o capitalismo introduziu a competição; onde falam em cooperação, ele introduziu a concorrência; onde falam em respeito à soberania dos povos, ele introduziu a globocolonização.
A religião não é um método de análise da realidade. O marxismo não é uma religião. A luz que a fé projeta sobre a realidade é, queira ou não o Vaticano, sempre mediatizada por uma ideologia. A ideologia neoliberal, que identifica capitalismo e democracia, hoje impera na consciência de muitos cristãos e os impede de perceber que o capitalismo é intrinsecamente perverso. A Igreja Católica, muitas vezes, é conivente com o capitalismo porque este a cobre de privilégios e lhe franqueia uma liberdade que é negada, pela pobreza, a milhões de seres humanos.
Ora, já está provado que o capitalismo não assegura um futuro digno para a humanidade. Bento XVI o admitiu ao afirmar que devemos buscar novos modelos. O marxismo, ao analisar as contradições e insuficiências do capitalismo, nos abre uma porta de esperança a uma sociedade que os católicos, na celebração eucarística, caracterizam como o mundo em que todos haverão de “partilhar os bens da Terra e os frutos do trabalho humano”. A isso Marx chamou de socialismo.
O arcebispo católico de Munique, Reinhard Marx lançou, em 2011, um livro intitulado “O Capital – um legado a favor da humanidade”. A capa contém as mesmas cores e fontes gráficas da primeira edição de “O Capital”, de Karl Marx, publicada em Hamburgo, em 1867.
“Marx não está morto e é preciso levá-lo a sério”, disse o prelado por ocasião do lançamento da obra. “Há que se confrontar com a obra de Karl Marx, que nos ajuda a entender as teorias da acumulação capitalista e o mercantilismo. Isso não significa deixar-se atrair pelas aberrações e atrocidades cometidas em seu nome no século XX”.
O autor do novo “O Capital”, nomeado cardeal por Bento XVI em novembro de 2010, qualifica de “sociais-éticos” os princípios defendidos em seu livro, critica o capitalismo neoliberal, qualifica a especulação de “selvagem” e “pecado”, e advoga que a economia precisa ser redesenhada segundo normas éticas de uma nova ordem econômica e política.
“As regras do jogo devem ter qualidade ética. Nesse sentido, a doutrina social da Igreja é crítica frente ao capitalismo”, afirma o arcebispo.
O livro se inicia com uma carta de Reinhard Marx a Karl Marx, a quem chama de “querido homônimo”, falecido em 1883. Roga-lhe reconhecer agora seu equívoco quanto à inexistência de Deus. O que sugere, nas entrelinhas, que o autor do “Manifesto Comunista” se encontra entre os que, do outro lado da vida, desfrutam da visão beatífica de Deus.
Frei Betto é escritor, autor do romance “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org> Twitter:@freibetto.
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sexta-feira, 6 de abril de 2012
O PAPA EM CUBA: RENOVAÇÃO E ESPERANÇA

VIVER A PÁSCOA HOJE

Copyright 2012 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)
COMO DEUS EMERGE NO PROCESSO REVOLUCIONÁRIO?

Escreveu com razão o conhecido matemático e físico Stephen Hawking em seu livro Uma nova história do tempo (2005):”tudo no universo precisou de um ajuste muito fino para possibilitar o desenvolvimento da vida; por exemplo, se acarga elétrica do elétron tivesse sido apenas ligeiramente diferente, teriadestruído o equilíbrio da força eletromagnética e gravitacional nas estrelas e, ou elas teriam sido incapazes de queimar o hidrogênio e o hélio, ou então não teriam explodido. De uma maneira ou de outra, a vida não poderia existir".
Como emerge Deus no processo cosmogênico? A ideia de Deus surge quando colocamos a questão: o que havia antes do big-bang? Quem deu o impulso inicial? O nada? Mas do nada nunca vem nada. Se apesar disso apareceram seres é sinal de que Alguém ou Algo os chamou à existência e os sustenta no ser.
O que podemos sensatamente dizer, é: antes do big bang existia o Incognscível e vigorava o Mistério. Sobre o Mistério e o Incognoscível, por definição, não se pode dizer literalmente nada. Por sua natureza, eles são antes das palavras, das energia,da matéria, do espaço e do tempo.
Ora, o Mistério e o Incognoscível são precisamente os nomes que as religiões e também o Cristianismo usam para significar aquilo que chamamos Deus. Diantedele mais vale o silêncio que a palavra. Não obstante, Ele pode ser percebido pela razão reverente e sentido pelo coração como uma Presença que enche o universo e faz surgir em nós o sentimento de grandeza, de majestade, de respeito e de veneração.
Colocados entre o céu e a terra, vendo as miríades de estrelas, retemos a respiração e nos enchemos de reverência. Naturalmente nos surgem as perguntas: Quem fez tudo isso? Quem se esconde atrás da Via-Lactea? Como disse o grande rabino Abraham Heschel de Nova York: “Em nossos escritórios refrigerados ou entre quatro paredes brancas de uma sala de aula podemos dizer qualquer coisa e duvidar de tudo. Mas inseridos na complexidade da natureza e imbuidos de sua beleza, não podemos calar. É impossível desprezar o irromper da aurora, ficar indiferentes diante do desabrochar de uma flor ou não quedar-se pasmados ao contemplar uma criançarecém-nascida”. Quase que espontaneamente dizemos: foi Deus quem colocou tudo em marcha. É Ele aFonte originária e o Abismo alimentador de tudo.
Outra questão importante é esta: que Deus quer expressar com a criação? Responder a isso não é preocupação apenas da consciência religiosa, mas da própria ciência. Sirva de ilustração o já citada Stephen Hawking, em seu conhecido livro Breve história do tempo (1992): “Se encontrarmos a resposta de por que nós e o universo existimos, teremos o triunfo definitivo da razão humana; porque, então, teremos atingido o conhecimento da mente de Deus”(p. 238). Até hoje os cientistas estão ainda buscando o desígnio escondido de Deus.
UM MUNDO PASCAL

Neste ano de 2012, a Igreja Católica lembra que, há 50 anos, o saudoso e querido papa João XXIII convocou o Concílio Vaticano II. Essa reunião dos bispos do mundo inteiro significou o começo de uma importante reforma na Igreja. Embora essa obra de renovação tenha ficado incompleta, ela foi para a Igreja e para o mundo uma nova Páscoa. Atualmente, alguns setores da hierarquia não querem recordar o Concílio Vaticano II e sonham com a volta a um modelo de Cristandade pré-conciliar. Embora tenham recebido a missão de respeitar a palavra de todos os bispos do mundo reunidos em nome de Deus, eles a diluem com medo de viver o hoje de Deus. Seja como for, como é obra do Espírito Santo, a memória do Concílio não morrerá e, até hoje, nos lembra que é possível apresentar a fé cristã de forma que a humanidade possa por ela se interessar como sendo algo atual e útil para os nossos tempos. O Concílio também mostrou que é possível uma Igreja na qual a hierarquia aceite e aprenda a verdadeiramente dialogar de forma humilde e amorosa com a humanidade sobre os grandes problemas e desafios dos tempos atuais como a justiça social e econômica, a paz entre os povos e o cuidado com a natureza. Durante anos, o mundo testemunhou que a boa notícia dada por Jesus nos Evangelhos levava pastores e fiéis a se consagrar não apenas a questões eclesiásticas internas, mas às grandes causas da humanidade.
Essas celebrações pascais vêm nos mostrar que esse fogo do Espírito não está apagado. Mesmo por baixo das cinzas, se mantém aceso e ninguém consegue abafá-lo. Mesmo se parecem ritos antigos, reduzidos a cerimônias religiosas, a Vigília Pascal na noite do sábado próximo ou madrugada do domingo, assim como as outras grandes celebrações do tríduo pascal contêm uma força capaz de transformar o mundo, até que cada pessoa que ama e tem fome de justiça e todo o universo sejam impregnados da energia amorosa dessa nova Páscoa.