por leonardo boff
No nosso país, dentro de um ambiente
de muito ódio, destruição de biografias e mentiras de todo tipo, vale recorrer
ao espírito de São Francisco de Assis, à sua famosa oração pela paz e à sua
saudação de Paz e Bem. Era um ser que havia purificado seu coração de toda a
dimensão de sombra , tornando-se “o coração universal…porque para ele qualquer
criatura era uma irmã, unida a ela por laços de carinho” como escreveu o Papa
Francisco em sua encíclica ecológica (n.10 e 11). Por onde quer que passasse,
saudava as pessoas com o seu ”Paz e Bem”, saudação que ficou na história
especialmente dos frades que começam suas cartas desejando Paz e Bem.
Construiu laços de paz e de
fraternidade com o Senhor irmão Sol, e com a senhora Mãe Terra. Essa figura
singular, seja talvez uma das mais luminosas que o Cristianismo e o próprio
Ocidente já produziram. Há quem o chame de o “ultimo cristão” ou o “primeiro
depois do Único” quer dizer, de Jesus Cristo.
Seguramente podemos dizer: quando o
Cardeal Bergoglio escolheu nome de Francisco quis sinalizar um projeto de
sociedade pacífica, de irmãos e irmãs, reconciliados com todos os irmãos e irmãs
da natureza e de todos os povos. A mesmo tempo, pensou numa Igreja na linha do
espírito de São Francisco. Este era o oposto do projeto de Igreja de seu tempo
que se expressava pelo poder temporal sobre quase toda a Europa até a Rússia,
por imensas catedrais, suntuosos palácios e grandes abadias.
São Francisco optou por viver o
evangelho puro, ao pé da letra, na mais radical pobreza, numa simplicidade
quase ingênua, numa humildade que o colocava junto à Terra, no nível dos mais
desprezados da sociedade vivendo entre os hansenianos e comendo com eles da
mesma escudela.
Para aquele tipo de Igreja e de
sociedade, confessa explicitamente: “quero ser um ‘novellus pazzus’, um novo
louco”: louco pelo Cristo pobre e pela “senhora dama” pobreza, como expressão
de total liberdade: nada ser, nada ter, nada poder, nada
pretender. Atribui-se a ele a frase: “desejo pouco e o pouco que
desejo é pouco”. Na verdade era nada. Considerava-se “idiota, mesquinho,
miserável e vil”.
A despeito de todas as pressões de
Roma e as internas dos próprios confrades que queriam conventos e regras nunca
renunciou ao eu sonho de seguir radicalmente o Jesus, pobre junto com os mais
pobres.
A humildade ilimitada e a pobreza
radical lhe permitiram uma experiência que vem ao encontro de nossas
indagações: é possível resgatar o cuidado e o respeito para com a
natureza? É possível uma sociedade sem ódios que inclua a todos,
como ele o fez: com o sultão do Egito que encontrou na cruzada, com o bando
de salteadores, como lobo feroz de Gúbbio e até com a irmã morte?
Francisco mostrou esta possibilidade
e sua realização. ao fazer-se radicalmente humilde. Colocou-se no mesmo chão
(húmus=humildade) e ao pé de cada criatura, considerando-a sua irmã. Inaugurou
uma fraternidade sem fronteiras: para baixocom os últimos, para
os lados com os demais semelhantes, independente se eram Papas ou
servos da gleba, para cima com o sol, a lua e as estrelas, filhos
e filhas do mesmo Pai bom.
A pobreza e a humildade assim
praticadas não têm nada de beatice. Supõem algo prévio: o respeito ilimitado
diante de cada ser. Cheio de devoção, tirava a minhoca do caminho para não ser
pisada, enfaixava um galhinho quebrado para que se recuperasse, alimentava no
inverno as abelhas que esvoaçam por aí, famintas.
Não negou o húmus original e as
raízes obscuras de onde todos viemos. Ao renunciar a qualquer posse de bens ou
de interesses ia ao encontro dos outros com as mãos vazias e o coracão puro,
oferecendo-lhes apenas o Paz e Bem, a cortesia, e o amor cheio de e ternura.
A comunidade de paz universal surge
quando nos colocamos com grande humildade no seio da criação, respeitando todas
as formas de vida e cada um dos seres pois todos possuem um valor em si mesmo,
antes de qualquer uso humano. Essa comunidade cósmica, fundada no respeito
ilimitado, constitui o pressuposto necessário para fraternidade humana, hoje
abalada pelo ódio e pela discriminação dos mais vulneráveis de nosso país. Sem
esse respeito e essa fraternidade dificilmente a Constituição a Declaração dos
Direitos Humanos terão eficácia. Haverá sempre violações, por razões étnicas,
de gênero, de religião e outras.
Est espírito de paz e fraternidade,
poderá animar nossa preocupação ecológica de salvaguarda de cada espécie, de
cada animal ou planta, pois são nossos irmãos e irmãs. Sem a fraternidade real
nunca chegaremos a formar a família humana que habita a “irmã e Mãe Terra”,
nossa Casa Comum, com cuidado.
Essa fraternidade de paz é
realizável. Todos somos sapiens e demens mas podemos fazer com
que o sapiens em nós humanize nossa sociedade dividida que
deverá repetir:”onde há ódio que eu leve o amor”.
Leonardo Boff teólogo, ex-frade e sempre
franciscano e comentou “A oração de São Francisco pela paz”,Vozes 1999.
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