Frei Betto
Tudo é política, mas a política não é tudo. Participar da vida política, ainda
que apenas pelo voto, é exercício de cidadania. Porque a política tem a ver com
todos os aspectos de nossas vidas, da qualidade dos serviços de saúde à
segurança de nossas famílias. Quem anula o voto ou vota em branco favorece o
poder vigente e fica de costas para o bem comum.
Não há como erradicar a miséria, reduzir a criminalidade e a desigualdade
social sem a atividade política. A política serve para oprimir e favorecer a
corrupção, como também para libertar e punir os corruptos. Tudo depende do modo
como é exercida.
O Evangelho de Lucas (3, 1), ao contextualizar a missão de Jesus, a
situa politicamente: “No décimo quinto ano do governo de Tibério César, sendo
Pôncio Pilatos governador da Judeia; Herodes, tetrarca da Galileia; Filipe, seu
irmão, tetrarca da região da Itureia e da Traconídite; e Lisânias, tetrarca de
Abilene” etc. Até mesmo a Palavra de Deus tem a ver com política, embora não se
deva confessionalizá-la.
Jesus foi assassinado por razões políticas. Ousou anunciar, no reino de César,
outro reino possível, o de Deus! Rechaçou a opressão, a doença e a pobreza como
castigos divinos. Condenou a religião como legitimadora de preconceitos e
discriminações. E propôs um novo projeto civilizatório baseado, nas relações
pessoais, no amor e na compaixão; e nas relações sociais, na partilha dos bens
da Terra e dos frutos do trabalho humano.
Oito séculos antes de Cristo, o profeta Isaías já havia prefigurado a utopia de
uma sociedade na qual a implantação da justiça assegurará o advento da
paz: "Vejam! Vou criar novo céu e nova terra.
As coisas antigas nunca mais serão lembradas,
nem voltarão ao pensamento. Fiquem alegres! Exultarei com Jerusalém e
me alegrarei com
o meu povo.
E nela nunca mais
se ouvirá choro ou clamor. Aí não haverá mais crianças que vivam alguns dias apenas, nem velhos que não cheguem a completar seus dias; pois será ainda jovem quem morrer com cem anos... Quem
construir casa nela habitará,
e quem plantar vinhas comerá de seus frutos. Ninguém construirá para outro morar,
nem semeará para outro comer, porque a vida do
meu povo será longa como
a das árvores, meus escolhidos poderão gastar o que suas mãos fabricarem.
Ninguém trabalhará inutilmente, nem gerará filhos para morrerem antes do tempo, porque todos serão a descendência dos abençoados de Javé, juntamente com
seus filhos.
Antes que me invoquem eu responderei; quando começarem a falar,
já estarei atendendo. O lobo e
o cordeiro pastarão juntos,
o leão comerá capim junto com
o boi...
Em todo o
meu monte santo ninguém causará danos ou estragos, diz Javé.”
(65, 17-25).
Na próxima semana, os brasileiros escolherão seus futuros governos estadual e
federal. Eis um direito democrático de substancial importância. Os eleitos
haverão de fazer o país avançar ou retroceder ainda mais. Deles dependerão o
combate ao desemprego e às causas da criminalidade, a universalização da
educação de qualidade e o fim das intermináveis filas nos postos de saúde.
Os políticos são considerados autoridades. Ora, a rigor autoridades somos nós,
o povo brasileiro, que os elegemos, pagamos seus salários e todos os gastos do
exercício de seus mandatos, da conta de luz do Palácio da Alvorada ao
combustível que move o avião presidencial.
Sem utopia a política se apequena. Torna-se mero jogo de poder em função de
ambições pessoais e interesses corporativos. É de suma importância votar de
olho no projeto Brasil. No futuro das novas gerações. Na conquista de uma sociedade
que espelhe a proposta do profeta Isaías, onde o lobo e o cordeiro, que são
diferentes, não façam da diferença divergência, e possam conviver em harmonia e
igualdade de condições.
Frei Betto é escritor, autor
de “Por uma educação crítica e participativa” (Anfiteatro), entre outros
livros.
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