por Por Marcelo Barros
No próximo domingo, 14 de outubro, em
Roma, em uma mesma cerimônia, o papa Francisco vai proclamar como santos o papa
Paulo VI e Dom Oscar Romero, arcebispo de San Salvador, assassinado em 1980,
quando celebrava a eucaristia em uma capela de hospital. Sobre o processo de
canonização e o seu estilo, podemos ter críticas e desejar uma renovação mais
de acordo com o evangelho. Antes de tudo, devemos lembrar que São Paulo chama
todos os batizados de santos, santificados pela graça. Por isso, é bom sempre
repetir: o papa não torna ninguém santo. Apenas, proclama que tal pessoa (que
já está no céu pela graça divina) tem seu nome na lista (no canon) dos
santos, por ser reconhecido/a como
exemplo de santidade para o povo de Deus. Hoje, qualquer pessoa mais crítica contesta
os critérios usados durante o processo e espera que o método se torne menos
monárquico e, economicamente, mais acessível ao mundo dos pobres.Assim mesmo,
para o mundo inteiro, as canonizações desse domingo são muito significativas.
Paulo VI foi o papa que continuou o
Concílio Vaticano II e se tornou responsável pela renovação da Igreja que o
Concílio propôs. Canonizá-lo é um modo claro de valorizar o esforço de
renovação e retomá-lo nos ambientes eclesiais nos quais o antigo regime ainda
domina. Proclamar Paulo VI como santo é deixar claro que quem opta por uma
Igreja não renovada é alguém que se fecha à graça da santidade.
Quanto à canonização de Oscar Romero,
o mundo inteiro sabe que alguns bispos de El Salvador e grupos dentro do
Vaticano fizeram de tudo para evitar a canonização. Não vale a pena repetir as
intrigas e maledicências inventadas para destruir a honra de Romero. No tempo
da beaficação, o papa Francisco chegou a afirmar que ele foi mártir duas vezes:
no dia em que perdeu a vida por seu amor aos pobres e depois quando, já morto,
foi vítima de calúnias para manchar sua imagem e destruir sua profecia.Agora,
ao colocar o nome de Romero na lista dos santos, o papa simplesmente reconhece o
fato de que, desde 1980, os pobresda América Latina já chamam Romero de “São Romero de las Américas”.
Essa canonização, além de ter esse
significado profundo para a América Latina, é o reconhecimento de um martírio
de conteúdo profundamente social e político. O papa e todas as pessoas que
conhecem a história sabem que Monsenhor Romero não foi um santo da caridade, no
estilo de Madre Teresa de Calcutá, de Charles de Foulcaud ou de Santa Terezinha
do Menino Jesus, figuras maravilhosas da Igreja. Romero testemunhou o reino de
Deus e deu sua vida, ao tomar partido na luta de libertação do povo de El
Salvador e ao enfrentar uma ditadura com a qual os outros bispos, em sua
maioria, eram condescendentes. Embora desarmado
e sem nenhum vínculo direto com a guerrilha, foi profeta da justiça e do
direito do povo e de sua libertação. Romero foi e é um mártir político.
A expressão não é minha. Um dos
maiores teólogos cristãos da atualidade, Jungmann Moltmann, pastor evangélico
alemão afirmou: “No antigo império
romano, os mártiresque se negavam a prestar culto ao imperador, contribuíram a
propagar a liberdade. (cometeram um ato de subversão política). Assim também em
nossos tempos, as Igrejas que esquecem a seus mártires políticos estão em
perigo de acomodar-se à religião política da sociedade em que vivem” (do
livro La Iglesia, fuerzadelEspíritu, Salamanca,
1978, p. 118).
Atualmente, muitos cristãos se
perguntam como foi possível que, apesar de uma minoria profética que denunciou
isso, a maioria do clero e dos fieis católicos e evangélicos foram coniventes e
até colaboradores com a escravidão dos índios e negros. Do mesmo modo, pode ser
que, em um futuro próximo, cristãos se perguntem: Como se tornou possível que, no começo do século XXI, no Brasil, nos
Estados Unidos e em outros países, pastores e fieis, católicos e evangélicos,
tenham escolhido votar na extrema direita?
Todos sabem que esses seus candidatos
conservadores farão tudo para manter as desigualdades sociais. Sempre ficam do
lado da elite rica contra os empobrecidos. São adeptos de guerras e violências.
No entanto, bispos, pastores, padres e fieis, votam neles. Será porque, no
terreno da moral sexual, esses fascistas, embora não vivam, defendem a moral
tradicional? Certamente, além desses cristãos fundamentalistas, preocupados
obsessivamente com os temas da moral sexual, muitos outros têm no seu DNA uma
tendência de apoiar pessoas autoritárias e com tendência totalitária. Por que?
As Igrejas assistem a essa tragédia e não se perguntam em que erraram na formação
de seus ministros e fieis. E o mundo teria o direito de se perguntar o que,
hoje, Jesus diria desse Cristianismo de direita.
Certamente, essa ala tradicional da
Igreja, pouco ligará para a canonização de Oscar Romero. Na cerimônia de sua beatificação,
um cardeal chegou a pregar que Monsenhor Romero é santo porque tinha uma profunda devoção a Virgem Maria, ao papa e ao
Santíssimo Sacramento (nessa ordem). O mundo inteiro sabe que, nesse
domingo, em Roma, ao canonizar Romero, não será essa a pregação do papa
Francisco. Para usar um termo de Santo Inácio de Antioquia, no começo do
Cristianismo, “a luta social e política
de Monsenhor Romero junto a seu povo e o seu testemunho de amor aos pobres o
torna para nós Palavra viva de Deus”. Santo Oscar Romero, rogai a Deus por
nós e ajudai-nos no caminho da conversão nossa e de nossas Igrejas”.
MARCELO BARROS é monge beneditino e
escritor. Tem 44 livros publicados, dos quais “O Espírito vem pelas
Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário