por Frei Betto
Nem todos devem ser politicos profissionais. É preciso vocação e, de
preferência, decência também. Mas em qualquer atividade que se exerça, faz-se
política, toma-se posição nesse mundo desigual.
Cada um de nós é chamado a se posicionar. Não existe neutralidade. Em tudo que
fazemos contribuímos para manter ou transformar a realidade; dominar ou mudar;
oprimir ou libertar.
Quando me perguntam por que me envolvo em política, por via pastoral ou de
movimentos sociais (nunca me filiei a partido político), respondo: porque sou
discípulo de um prisioneiro político. Que eu saiba, Jesus não morreu nem de
hepatite na cama, nem de desastre de camelo em uma rua de Jerusalém. Morreu
como muitas vítimas da ditadura militar brasileira - preso, torturado, julgado
por dois poderes políticos e condenado à pena de morte dos romanos, a cruz.
A pergunta é outra: por que Jesus foi condenado, se era tão espiritual e santo?
Que tipo de fé temos hoje, nós cristãos, que não questiona essa desordem
estabelecida que produz aberrações como o assassinato da menina Ágatha? Jesus
foi condenado por apregoar ser preciso buscar um “outro mundo possível”.
Dentro do reino de César, Jesus anunciava o Reino de Deus! A Igreja deslocou-o
para a vida após a morte. Mas, para ele, o Reino de Deus fica no futuro
histórico. Tanto que oramos “Venha a nós o vosso Reino”, e não “Leve-nos ao
vosso Reino” . Anunciar um outro reino dentro do reino de César era alta
subversão.
Jesus não veio fundar uma Igreja ou uma religião. Veio nos trazer as sementes
de um novo projeto civilizatório, baseado na justiça e no amor. Basta ler as Bem-aventuranças e O
sermão da montanha - um mundo de partilha dos bens da Terra e dos
frutos do trabalho humano.
É interessante observar que, nos quatro evangelhos, a expressão Reino de Deus
aparece, na boca de Jesus, 122 vezes. E a palavra Igreja apenas duas vezes.
A Igreja é a
comunidade dos discípulos de Jesus. E deveria ser, como ele foi, semente do
novo projeto civilizatório, isenta de fundamentalismo religioso. É bom lembrar
que Jesus curou o servo do centurião, que era pagão, e a mulher cananeia,
que não era judia e pertencia a um povo politeísta.
Disse a cada um deles: “A tua fé te salvou”. Um fundamentalista diria:
“Primeiro, acredite no que prego. Depois, se torne meu seguidor e, então, lhe
farei o bem.”
Em nossa sociedade são merecedores de direitos aqueles que gozam de certo
padrão de vida. Para Jesus, ao contrário, a pessoa pode ser cega, coxa,
hanseniana, excluída. Ela é templo vivo de Deus! Eis a radical defesa dos
direitos humanos.
O simples fato de uma pessoa existir já a torna dotada de
ontológica sacralidade. Isso é extremamente radical. O marxismo europeu, por
exemplo, graças ao qual a modernidade avançou em termos de inclusão social,
nunca defendeu os direitos indígenas, como fez o marxista peruano Mariátegui.
Até entendemos a razão, pois foi criado na Europa, onde havia poucos índios.
Mas também nunca defendeu o protagonismo dos moradores de rua, chamado
lumpemproletariado. Ou seja, eles seriam os beneficiários de um futuro projeto
socialista ou comunista, mas não protagonistas. Para Jesus, todos são chamados
a serem protagonistas.
Portanto, abraçar os direitos humanos é aceitar que cada pessoa é dotada de
radical dignidade. Em linguagem teológica, sacralidade.
À luz dos direitos humanos há que indagar: o que nossos políticos propõem é
para aumentar o lucro de uma minoria ou defender os direitos de todos? É
para favorecer um pequeno segmento ou para que toda a nação seja beneficiada?
Não sejamos ingênuos. Direitos humanos são incompatíveis com um sistema que
defende, como principal direito, a acumulação privada da riqueza.
Frei Betto é escritor, autor de “Um Deus muito
humano” (Fontanar), entre outros livros.
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