Por Marcelo
Barros
Escutei isso
de uma religiosa que naquele dia completava 94 anos de idade: “Com o evangelho, aprendi a envelhecer sem me
tornar velha”. Perguntei: Como se faz isso? Ela me olhou e respondeu como
se fosse a coisa mais óbvia do mundo: “Você
envelhece procurando não pesar para ninguém e principalmente não deixando o seu
coração envelhecer. Nada de dizer: No meu tempo... O meu tempo é aqui e agora”.
É
claro que todas as pessoas desejam não serem pesadas para as outras e gostariam
de envelhecer mantendo a autonomia física e interior. Devemos organizar o mundo
e a vida de forma a facilitar isso. No calendário da ONU, o 1o de
outubro é o dia internacional de proteção às pessoas idosas. No Brasil, nessa
data, em 2003, foi assinado o Estatuto
do Idoso. Nesse mesmo ano, a CNBB começou a Pastoral das Pessoas Idosas, com o
objetivo de assegurar a dignidade e a valorização integral dos idosos na
sociedade.
Atualmente,
um maior número de pessoas atinge idades que, em outros tempos, poucos
conseguiam alcançar. O desafio é lhes proporcionar, o mais possível, uma vida
ativa e integrada no conjunto da sociedade.
No mundo
capitalista, a sociedade é pensada para a juventude. Como os mais velhos não
produzem mais, perdem sua importância social. Parece que só a juventude
importa. As pessoas fazem cirurgia plástica e malhação para se manter sempre
jovens. Quando não conseguem mais disfarçar, o assumir a velhice se torna mais
doloroso e difícil. No Brasil, são mais ou menos 25 milhões de pessoas que
passam dos 65 anos. Isso exige aumento de assistência e médicos
especializados. Uma senhora de mais de
90 anos afirmava à sua filha: “Agora,
está muito difícil morrer”.
Em muitas
cidades, existem associações da terceira idade que promovem encontros, lazer,
danças e até passeios. Para elas, as universidades têm programas de extensão
universitária e atividades como cursos de computação, ginástica, natação,
música, dança e outras artes. Essas organizações propõem às pessoas idosas e a
toda sociedade, fazerem as coisas com calma no lugar da agitação. Sugerem a
disponibilidade no lugar do estresse. Valorizam mais a identidade do que a
função; a qualidade e não somente a quantidade. Trata-se, finalmente, de viver
a graça do dia de hoje mais do que o afã da permanente projeção para o amanhã.
Envelhecer
fisicamente é processo inexorável e ninguém pode mudar isso. Não depende da
vontade da pessoa. Em qualquer cultura, envelhecer é sempre processo difícil e
exigente. Não é fácil ver o corpo ir progressivamente decaindo e manter o
espírito jovial. No entanto, podemos fazer escolhas que nos permitam envelhecer
de forma mais humanizada e humanizadora. Ninguém sabe ainda a causa biológica
do envelhecimento. Até agora, não se pode deter ou evitar esse fenômeno. Clineu
de Melo, médico especialista em Geriatria da USP, afirmou: “O envelhecimento é a perda gradativa das
reservas que todos os organismos têm para usar em momentos de estresse”[1].
Todos os
organismos foram pensados pela natureza para nascer, viver, reproduzir-se e
depois morrer. Há uma seleção natural. Nesse sentido, pelo que se sabe, durante
milênios, a média da vida humana era de 30 anos. Vários cientistas dizem que, a
partir dos 30 anos, entramos em uma etapa da vida para a qual a seleção natural
não nos preparou. Leonard Stayflick, professor na Universidade de Califórnia,
chega a afirmar: “A velhice é produto da
civilização. Só ocorre propriamente nos seres humanos, nos animais domésticos e
nos mantidos em zoológicos e em laboratórios”. Comumente ligamos o
envelhecimento à idade. De fato, há uma relação, mas não é direta e linear. Há
pessoas de 90 anos que parecem ter 70 e há pessoas de 60 com jeito de 90. Não
se pode generalizar, mas uma pesquisa mostra que a longevidade humana é maior
em mosteiros budistas, em conventos cristãos, em templos de Candomblé e em
comunidades de outras religiões do que na sociedade na qual as pessoas mais
velhas são simplesmente postas em asilo ou depósitos humanos esperando a morte.
É claro que o processo do envelhecimento está ligado à saúde, ao clima e mesmo
à raça a qual pertencemos, mas também depende do nosso temperamento e estilo de
vida. Por isso, podemos dizer que até certo ponto a espiritualidade, isso é, a
energia do espírito em ação na pessoa, pode ter uma boa influência.
A primeira coisa que as tradições espirituais
propõem é manter sempre um projeto de vida profundo e de acordo com o projeto
divino para o mundo e a comunidade a qual pertencemos. No começo dos anos 90,
no Recife, Dom Hélder Câmara, com seus quase 90 anos, recebeu a visita do Abbé
Pierre, fundador de uma associação que trabalha com sofredores de rua. Os dois
anciãos conversaram durante horas. Depois, um jornalista perguntou: - Como vocês se sentem ao perceber que, depois
de consagrarem toda a vida à libertação dos pobres do mundo, conseguiram tão
pouco? Dom Helder falou: - Ficamos
felizes de ter conseguido ao menos esse pouco e nos comprometemos em dar até o
nosso último suspiro por essa causa na qual acreditamos e pela qual queremos
dar a vida.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor.
Tem 44 livros publicados, dos quais “O Espírito vem pelas
Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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