Por Maria Clara Bingemer
Nós, que vivemos os tempos
empolgantes do final dos anos 1960 e da década de 1970, muitas vezes nos
perguntamos o que acontece com as novas gerações. Queríamos mudar o mundo,
respirávamos utopia, apostávamos todas as fichas na luta por um mundo melhor.
E ficamos perplexos por não ver essa mobilização acontecendo com nossos filhos
e netos, que nos parecem por vezes reféns de uma passividade imediatista que só
deseja sorver o presente e cujo horizonte mais e mais se encurta.
A sexta-feira da greve
global pelo clima mudou esse nosso olhar e transformou igualmente a percepção
de nossa geração sobre o imenso desafio que temos pela frente. As crianças e os
jovens nos disseram o que os mobiliza, o que os apaixona, o que os faz perder
noites de sono e ir às ruas cheios de esperança. Trata-se do futuro do
Planeta, da Mãe Terra, do habitat nosso e de todos, da Casa Comum.
A liderança foi da ativista
sueca Greta Thunberg, de 16 anos. Desde seus 15 anos Greta faz greve às
sextas-feiras diante do Parlamento de seu país em favor do clima e contra a
indiferença dos governos à ameaça que paira sobre o planeta. A greve foi
convocada e a resposta surpreendeu: mais de 130 países aderiram, milhares de
pessoas foram às ruas exigir medidas concretas contra a destruição do planeta.
A esmagadora maioria desses
manifestantes é jovem, alguns recém-saídos da infância e entrando na
adolescência. O futuro do planeta os mobiliza, e eles e elas mostram
aguda consciência do perigo que correm todos os humanos e todos os seres vivos
se não for detida a destruição massiva que está em curso com o aquecimento
global, as emissões de combustíveis, o desmatamento descontrolado e outras
ocorrências que se multiplicam. Todos esses preocupantes sinais são
impulsionados por um sistema que só visa lucro a qualquer preço e padece de
crônica miopia por tudo que se situe além do imediatismo e do curto
prazo.
Entre os pensadores que
refletem sobre o tema e dão as pautas a esse movimento está o Papa Francisco,
que com sua encíclica publicada em 2015, Laudato Si, faz uma aguda análise
da situação da ecologia em nível mundial. Mas além disso adverte que
aquilo que afeta o planeta, toca sobretudo nos mais vulneráveis de seus
habitantes: os pobres, os oprimidos de toda sorte que são as primeiras vítimas
da destruição da casa comum.
Além de denunciar o mal que
faz a destruição do planeta aos pobres da sociedade, a Encíclica apresenta a
Terra como um desses pobres e vulneráveis, vítima de um progresso desordenado e
desenfreado. Já no início do documento, Francisco afirma que “entre os pobres
mais abandonados e maltratados, está nossa oprimida e devastada terra, que geme
e sofre dores de parto”. Destacando a luminosa figura de Francisco de Assis,
cujo cântico das criaturas dá o título à encíclica – Laudato sì – o Papa
relembra que ele era um místico e um peregrino que vivia com simplicidade e em
uma maravilhosa harmonia com Deus, com os outros, com a natureza e consigo
mesmo. Alguém que mostra até que ponto são inseparáveis a preocupação pela
natureza, a justiça com os pobres, o compromisso com a sociedade e a paz
interior.
Talvez sem o saber, essas
crianças e jovens, muitos deles oriundos de países secularizados, estão em
profunda sintonia com a Igreja naquilo que reivindicam. Em busca de um líder ao
qual possam confiar seus desejos e reivindicações, encontrarão certamente o
Papa Francisco que, em sua encíclica, apresenta ao mundo a urgência de uma
conversão ecológica integral, a fim de que a criação de Deus e a vida que nela
habita tenha futuro.
A visão dos milhares de
jovens e adolescentes manifestando e pedindo pelo planeta tinha a forma de uma
grande liturgia. Ali está a utopia de sua geração, sua paixão, aquilo
pelo qual estão dispostos a tudo. De seus corpos e bocas saía a expressão da
verdade que denuncia a hipocrisia e a irresponsabilidade dos poderes
destruidores da terra e da vida.
A multicolorida manifestação
evoca uma frase de Jesus no Evangelho de Mateus: “Dos lábios das crianças
e dos recém-nascidos suscitaste louvor’”. A indignação dos meninos é louvor
ao Senhor da vida, cujo Espírito sopra e anima tudo que existe. E que deseja
ver sua criação desabrochada e bela, jorrando vida em plenitude àqueles que a
habitam.
A jovem Greta passeou sua
liderança indignada pelas ruas de Nova York e na sede das Nações Unidas fez um
dramático apelo a todos nós. Legamos à sua geração um mundo dizimado por
duas guerras mundiais e estamos a ponto de destruir para sempre o planeta onde
ela e seus filhos habitarão.
É triste que essas crianças
e jovens devam interromper sua infância e juventude, prejudicar sua
escolaridade, para lembrar-nos de nossas responsabilidades
negligenciadas. Mas ao mesmo tempo é fonte de muita esperança que o façam
com tanta paixão e tanto compromisso. Laudato si!
Maria
Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “Simone
Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc).
Copyright 2019 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a
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Maria Helena Guimarães Pereira
mhgpal@gmail.com
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