por Kinno
Cerqueira [1]
Há
dois mil anos, um camponês andou empoeirando os pés nas terras da Palestina. Na
oficina de seu pai José, aprendeu um pouco de artesanato e na companhia de sua
mãe Maria, aprendeu a cantarolar as cantigas de libertação que ela tanto
cantava. Não conseguiu sucesso como artesão nem como cantor, mas soube integrar
o ofício de artesão do pai ao gosto musical da mãe: tornou-se um artesão de
sonhos, de utopias, de esperanças, fazendo de sua própria existência uma
cantiga de revolução ao ritmo do amor. Que menino danado!
Como
se não bastasse, descobriu-se com vocação para ser profeta. É que andou lendo
demais o livro de um tal de profeta Isaías e, como reza um antigo provérbio:
“Dizes-me o que andas lendo e direi o que tu serás”. Assim aconteceu com o
menino-rapaz: quando se deu conta, já estava tomado pelas ideias revolucionárias
do Isaías e não conseguia mais pensar noutro assunto que não fosse a
instauração de um grande projeto de amor que revolucionasse o mundo a partir
dos pobres e pequenos.
Após
arregimentar mulheres e homens em torno de suas ideias, começou a peregrinar
pelas cidades e aldeias de seu país, como também do exterior, anunciando que a
vida poderia ser vivida de uma maneira nova. Queria um mundo sem pobreza e
miséria. Queria transformar os terrenos pedregosos em jardins floridos. Algumas
pessoas se mostraram simpáticas perante suas ideias; outras, porém, odiaram-nas.
Nem todos gostam de jardins!
O
menino-rapaz se reunia com os excluídos frequentemente. Suas reuniões soavam
como uma espécie de conspiração contra a cúpula religiosa que figurava como o
principal braço do governo opressor. Seus opositores tinham certa razão, pois
as suas reuniões que aconteciam sob o pretexto de refeições comunitárias eram,
na verdade, encontros de conscientização política. Ali, enquanto convivia com
os excluídos, procurava deixar claro que o rosto de Deus desenhado pela cúpula
religiosa era, na verdade, uma grande farsa com fins desonestos.
Contrariando
os interesses dos poderosos, principiou uma política de saúde pública. O
diagnóstico foi este: as histerias e enfermidades eram o reflexo da opressão
religiosa e política perpetrada pelos donos do poder e que, por isso, o
fundamentalismo religioso, aliado ao governo injusto, era o principal câncer
social. A solução é radical: romper com a lógica de dominação que estratifica,
estigmatiza e explora para viver segundo a lógica do amor que cura, restaura e
vivifica.
O
movimento popular liderado pelo profeta Jesus conquistou o ódio dos chefes da
religião, os quais se reuniram sucessivas vezes para discutir as medidas a
serem tomadas para acabar com a militância de Jesus. A maioria decidiu que a
solução seria assassinar o líder do movimento.
Assim, em conluio com vários grupos reacionários e com o governo
imperial, a elite religiosa tramou e executou o assassinato de Jesus mediante
crucificação, estilo de condenação reservado para revolucionários e
insurgentes.
O
profeta foi posto no túmulo. Os poderosos saltavam de alegria, dizendo: “Vencemos!
A força está conosco”. Enquanto isso, os
pobres choravam e pensavam: “Mais uma tentativa frustrada! Que será de nós
agora?”. Não sabiam eles que a voz de um verdadeiro profeta não pode ser
sepultada. Jesus ressuscita no coração dos discípulos e discípulas. Ele vive
nas pessoas que se arriscam a viver como ele viveu e a tomar o lado que ele
tomou. Ele habita os corações que pulsam pela transformação do mundo; é
parceiro do povo que luta; é amigo e camarada do povo camponês, dos
trabalhadores, dos sem teto, dos índios, dos negros, dos LBGTI’s e de todos os marginalizados.
Por
mais que tentem ocultar sua identidade sob a poeira dos religiosismos, o hálito
de Deus sopra a poeira para que o mundo redescubra quem é Jesus. Jesus, o
artesão do amor, é profeta que anuncia o Reino de Deus, quer dizer, uma nova
maneira de ser-no-mundo na qual prevalece a liberdade guiada pelo amor enquanto
serviço e compromisso com os pobres, contra a pobreza e pela justiça.
Redescobrir
a identidade do profeta Jesus é reencontrar o caminho para um mundo novo, pois
sua face interpela, inspira e encoraja a transformar pedreiras em jardins
floridos e a fazer da vida um belíssimo poema de amor nos lábios do tempo.
[1] Kinno Cerqueira é pastor batista e assessor do CEBI (Centro de Estudos
Bíblicos) na área de estudos bíblicos.
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