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quinta-feira, 19 de setembro de 2019

FACE AUTORITÁRIA DO NEOLIBERALISMO




Frei Betto

       Por paradoxal que pareça, a lei se tornou ferramenta do neoliberalismo para enfraquecer a democracia. O Estado de Direito vem sendo demolido por dentro, de modo a servir apenas aos interesses da elite.
       O tão esperado abalo do neoliberalismo, a partir da crise financeira de 2008, não ocorreu. Ao contrário, ele se fortalece com novas estratégias.
       O neoliberalismo é mais do que imposição de políticas de austeridade, privatização do patrimônio público, ditadura dos mercados financeiros. Ele implica uma racionalidade de abrangência mundial, que vai da economia de mercado à subjetividade das pessoas. Anula a soberania dos países aos submetê-los aos ditames do FMI, do Banco Mundial e da União Europeia. Demarca a linha divisória entre a parcela da humanidade com acesso ao consumo e a imensa multidão excluída até mesmo de direitos elementares, como alimentação, saúde e educação.
       O neoliberalismo já não necessita fazer concessões ao Estado de bem-estar social, pois desapareceu a ameaça comunista. Já não precisa posar de democrata. Agora, a imposição de um único modelo econômico deve se coadunar com a imposição de um único modelo político, o autoritário, de modo a favorecer a acumulação do capital e conter a insatisfação de amplos setores da população sem direito aos bens essenciais à vida digna.
       Os estrategistas do neoliberalismo sabem que suas políticas causam exclusão e sofrimento. Sabem também que é preciso conter a insatisfação dos excluídos, de modo a evitar a explosão que resultaria em caos político ou revolução. Assim, canalizam a miséria e a pobreza para o alívio virtual da religião, tornando-a, de fato, “ópio do povo”, capaz de aplacar a revolta e incutir espírito de sacrifício. Concentram o ressentimento e a descrença na democracia, e  transformam em bodes expiatórios partidos e políticos críticos ao neoliberalismo. Fazem convergir a baixa autoestima e a atual tendência à adoção de pautas identitárias para um amplo sentimento de identidade nacional marcado pela xenofobia.
       Em suma, encobrem as causas dos males sociais, e recobrem seus efeitos com ideologias que, ao tornar opacas as causas, acirram os ânimos diante dos efeitos. Por isso, o neoliberalismo mostra agora a sua face mais autoritária, com a construção de muros que separam nações e etnias; a supremacia do poder executivo sobre o legislativo e o judiciário; a desinformação via redes digitais; o culto à pátria; e a ofensiva descarada contra os direitos humanos.
       Por outro lado, reduz impostos para os mais ricos, precariza as relações de trabalho, suprime políticas sociais, corta investimentos na educação, acelera as privatizações e considera estorvo aos interesses do capital a proteção socioambiental.
       Henry Giroux qualifica de “fascismo neoliberal” essa formação política caracterizada por ortodoxia econômica, militarismo, desprezo por instituições e leis, ódio aos artistas e intelectuais, repulsa ao estrangeiro pobre, desconsideração pelos direitos e pela dignidade das pessoas, e violência para com os adversários.
       As reformas propostas pelo novo neoliberalismo, como, no Brasil, a trabalhista e a previdenciária, tendem a extinguir as redes de proteção social: sindicatos, ONGs, movimentos populares, e instituições corporativas (OAB, ABI, CNBB etc.) de defesa dos princípios democráticos.
       Como reagem os vencidos? Articulam as forças de oposição e se posicionam em favor de democracia? Antes fosse. De fato, os vencidos são como moscas presas no globo da lâmpada, cegos pelos encantos da sociedade de consumo. Não conseguem encontrar a saída e sofrem por estarem ali presos. Reagem ao se abster nas eleições, refugiar-se em suas bolhas digitais, dar apoio a quem vocifera em tom bélico. Toda raiva é a violência introjetada na alma.
       Resta aos críticos saírem de suas redomas acadêmicas para ajudar os vencidos a descobrir que possuem uma força capaz de virar o jogo e instaurar a democracia.

Frei Betto é escritor, autor de “O marxismo ainda é útil?” (Cortez), entre outros livros.
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