Por Marcelo
Barros
Neste próximo domingo, o último de
setembro, as comunidades católicas festejam o Dia da Bíblia. É ocasião para
recordarmos o bem que, na Igreja Católica, desde o começo do século XX, o
Movimento Bíblico tem feito. Provocou a renovação de todo o jeito de ser da
Igreja, de sua missão e da espiritualidade. Foi um dos pilares do Concílio
Vaticano II.
A Bíblia nasceu em meio aos
empobrecidos de Israel. No entanto, durante séculos, ficou em poder de
intelectuais e pessoas abastadas. O medo de heresias e interpretações erradas fazia
com que os católicos quase não pudessem ter acesso à Bíblia, a não ser em
língua latina. Só a partir de meados do século XX, nos ambientes católicos, se
espalharam, em nossas línguas, traduções da Bíblia. Apesar disso, a leitura bíblica
ainda era restrita a quem estuda. Quem a interpretava fazia isso a partir do
poder.
Em tempos de ditaduras, generais
tomavam o poder, jurando sobre a Bíblia. Citando páginas bíblicas, papas e
bispos organizaram exércitos para a guerra contra infiéis e queimaram hereges
na fogueira. Até hoje, movimentos fundamentalistas e fanáticos se inspiram na
Bíblia para defender o patriarcalismo, a homofobia e até mesmo o racismo. Tradicionalistas
judeus se apoiam em textos bíblicos
para apoiar a guerra de Israel contra o
povo palestino. O governo dos Estados Unidos usa a Bíblia para justificar
imperialismo e opressão. No Brasil e em outros países, pastores cristãos
baseiam-se na Bíblia para condenar religiões negras e tradições indígenas. Leem
ao pé da letra condenações da Bíblia aos ídolos estrangeiros e as aplicam às
religiões dos pobres e oprimidos.
Ecologistas culparam a Bíblia pela
destruição da natureza e ameaça à vida no planeta Terra. De fato, a Bíblia,
lida ao pé da letra ensina que Deus criou o ser humano como “senhor da criação”, com poder sobre os
animais e a terra. Entre todos os seres, o humano seria o único criado “à imagem e semelhança de Deus” (Cf. Gn
1, 28; Sl 8).
De fato, as Igrejas cristãs têm uma
dívida enorme com a humanidade. Não basta afirmar que esses males têm sido
produzidos por uma leitura equivocada da Bíblia, que em si não justificaria
esses males. Lamentavelmente, grande parte da hierarquia católica, de pastores
evangélicos e de grupos cristãos de todas as Igrejas ainda pregam o evangelho de
forma dogmática e arrogante. Agem de forma que dão razão a quem pensa que a
Bíblia é arma para quem suscita violências e sofrimentos à humanidade e ao
planeta. É preciso purificar a leitura bíblica e o modo como se fala de Deus. É
preciso revelá-lo como Amor e Compaixão e não como um déspota que impõe a sua
vontade e castiga impiedosamente quem não o obedece. Tem sido justamente esse o
esforço do Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), cujo aniversário de 40 anos estamos
comemorando nesse ano. Por iniciativa de frei Carlos Mesters e um pequeno grupo
de amigos e amigas, o CEBI começou em Angra dos Reios, RJ, por uma roda de
conversa entre pessoas que amam a Bíblia. Pouco a pouco, essa iniciativa se
espalhou por todo o Brasil e outros países.
O Centro de Estudos Bíblicos (CEBI)
parte do princípio de que a Bíblia é a escritura
da palavra de Deus. É como uma partitura musical que só se torna música à
medida que é executada. Assim, a Bíblia só se revela palavra divina à medida
que é proclamada e vivida nas comunidades.
Jesus agradeceu ao Pai ter escondido
os seus segredos aos sábios e entendidos do mundo e os ter revelado aos
pequeninos. A eles e elas, Jesus revelou um Deus diferente, Pai que nos ama com
amor maternal. Se é Deus, só pode ser amor e misericórdia. Nunca será ser
vingativo e intolerante. Quer de nós amor e não nenhum sacrifício. Jesus tinha
explicado que não basta espalhar a semente. Ela só será fecunda e dará fruto se
cair em terreno favorável.
O CEBI sempre defendeu que o terreno
melhor para se ouvir e praticar a palavra de Deus é a comunhão com os mais
pobres. É a partir da vida dos oprimidos que, na leitura comunitária e orante
da Bíblia, vamos discernindo a revelação
de um projeto divino de justiça, amor e vida para a humanidade e todo o
universo. Na América Latina, multidões leem a Bíblia para encontrar força de
viver. Em anos recentes, em vários países do continente, muitas pessoas foram
presas e assassinadas por terem lido a Bíblia e nela descoberto que deviam
consagrar suas vidas à transformação do mundo.
Se continuamos a amar a Bíblia e
acolhemos sempre sua mensagem é porque, como lembrava o papa Paulo VI: “para se encontrar a Deus, é fundamental se
encontrar o ser humano”.
MARCELO
BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos
quais “O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola.
Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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