Por Dom Mauro Morelli
Sendo a Fé em Cristo a mesma em
Osaka, New York, Roma ou no Rio de Janeiro, é a realidade que determina e
diferencia o jeito de ser Igreja e configura caminhos e prioridades da
evangelização. Na realidade local, regional e planetária, a Igreja deve estar
inserida como testemunha e servidora da Vida em Comunhão.
Vivemos, em verdade, uma crise
civilizatória. Esta é a Hora da Graça da Libertação! Escolhamos a vida como
pessoa, família, nação e povos. A Igreja, como pitada de sal e fermento,
participa com a família humana e com toda a criação da busca de um tempo novo
ou de um novo ciclo em que tudo se revista da sabedoria e da beleza de Cristo,
que segundo Isaías 40, caminha conosco como “pastor apascentando o rebanho,
reunindo as ovelhas dispersas e carregando no colo as feridas”.
Desde a primeira hora, na manhã
de Pentecostes, e por dois séculos, a Igreja viveu a unidade no pluralismo cultural,
eclesiológico, litúrgico e ministerial. O serviço do Evangelho foi confiado ao
Colégio Apostólico e à Igreja; sendo o pastoreio exercido sem feudos, com
participação da Comunidade através escuta da Palavra, do discernimento orante e
do processo decisório.
Consciente das heranças
históricas decorrentes do abraço de Constantino, o Papa Francisco, na esteira
de João XXIII e de Paulo VI, conclama a Igreja a cultivar a colegialidade e a sinodalidade,
em todos os seus níveis e dimensões, desde a comunidade local até a dimensão
católica ou universal.
Vida em Comunhão, segundo a
ecologia integral, abrange todas as dimensões das relações do ser humano na
Casa Comum, ou seja, ambientais, sociais, econômicas, culturais e políticas no
dia a dia de nossa existência.
Assim, pois, a própria Igreja, à
luz da ecologia integral, deve passar por profundo questionamento e conversão
sobre o modo de viver, testemunhar, celebrar, anunciar e servir o Evangelho da
Vida em Comunhão. Com uma nova ecoclesiologia, todas as relações na Igreja,
congeladas ou/e bloqueadas por leis e rubricas, devem ser avaliadas e
transformadas para que, em todos os níveis, sem subserviência ou independência,
a Igreja seja regida pelo princípio da autonomia em comunhão, inserida na rede
de solidariedade da Casa Comum.
Em Cristo não há mais sagrado e
profano, judeu ou pagão, grego ou romano, homem e mulher; sendo Deus louvado
não somente em Sião ou no Monte Garizim, segundo nossas tradições e reduções, mas
no Espirito que sopra em todo lugar, superando dicotomias, barreiras,
preconceitos e esquizofrenias.
Belo exemplo, o processo de
convocação do Sínodo para a Amazônia. As tensões do processo sempre
inevitáveis, sejam superadas com paciência e mansidão, desde a Cúria Romana até
a Paróquia de São Roque de Minas, na Serra da Canastra, onde vivo a solicitude
pela Igreja, como Bispo emérito, em comunhão com o pároco e com o bispo desta
Diocese de Luz, no Estado de Minas Gerais.
Não fechemos o coração, pois a
crise é tempo da graça que nos liberta do clericalismo, ou seja, do ministério
transformado em poder e até em tirania sobre o Povo de Deus submetido aos
nossos humores e caprichos. O pastoreio da Igreja deve ser confiado a pessoas
comprovadamente eminentes na Fé e excelentes na Caridade. Da mesma forma, chega
de procurar uma paróquia para um padre e uma Diocese para um Bispo, deixando nas
mãos solitárias e diplomáticas do Núncio Apostólico a coordenação do processo
de formação de Dioceses e de eleição/transferência de bispos.
Sejamos de fato Igreja em saída,
como na manhã de Pentecostes, rumo aos porões e às periferias existenciais ou
geográficas, onde o ser humano subsistindo aviltado e esmagado, a Mãe Terra
chora e geme pela degradação ecocídia.
Honremos a memória e o legado de
mulheres e homens eminentes na Fé que deram suas vidas para resgatar e promover
a dignidade humana, a justiça e a paz, como Dom Hélder Câmara, fundador da CNBB
com Monsenhor Giovanni Baptista Montini, Dom Antônio Batista Fragoso, Zilda
Arns, Padre Penido Burnier, Irmã Dulce e Madre Tereza.
No contexto atual, em que a
Nação Brasileira se encontra dominada pelo ódio e pelo atraso (cf.Jeremias14,18;
Amós 6.1-7; 8,4-8.11-13), como não recordar o franciscano Paulo Evaristo Arns, saudoso
Arcebispo Profeta de São Paulo e mártir da Cúria Romana, baluarte da democracia
brasileira e promotor da colegialidade e da sinodalidade na vida e na missão da
Igreja. Incentivado pelo Papa Paulo VI, sonhou e abriu caminhos para a presença
e a missão da Igreja na megalópole sem esquartejá-la, dividindo-a por ruas e
riachos, mas articulada em regime de Autonomia em Comunhão, priorizando a
cidadania do povo das periferias geográficas e existenciais. Sonho, convertido
em anos de trabalho sério, ignorado e descartado pela Cúria Romana. Até a sua
morte, como Maria, em silêncio guardava tudo no coração. Não apenas para a
Amazônia, urgente um Sínodo para as metrópoles e as megalópoles.
Ouso afirmar que, mais do que
nunca, urge separar definitivamente Igreja e Estado, confiando às Comissões de
Justiça e Paz, em âmbito nacional e internacional, o diálogo com Governos, Agências
Internacionais e Organismos da ONU. Uma nova Constituição ou “Motu Proprio”
pode confiar à Comissão Internacional de Justiça e Paz as entidades
internacionais denominadas Santa Sé e Cidade do Vaticano. A Cúria Romana e
Conferências Episcopais, livres da diplomacia, possam efetivamente promover a
colegialidade de cada Bispo na solicitude pela Igreja e a sinodalidade, ou
seja, a participação efetiva de cada batizado na vida e na missão da Igreja a
serviço do Reino de Deus.
Ao amanhecer do novo, vislumbro a
CNBB, livre do poder e de ânsia de conquistas e privilégios, reintegrando em
seus quadros os Bispos eméritos, como animadora da Igreja profética e pastora,
comprometida com a preservação das fontes da vida e com os povos originários,
com os desvalidos e discriminados das periferias e grotões desse país
continental, quer agrade ou desagrade a governantes e poderosos.
Em sintonia com o Sínodo para a
Amazônia, no cuidado com a Casa Comum, sejamos atentos à exortação do Papa
Francisco: “a extinção de uma cultura é tão ou mais grave do que a extinção de
uma espécie” (LS 145).
Caminhemos de esperança em
esperança, em comunhão com tudo o que existe e vive nesta Casa Comum, de forma
solidária e participativa, como pitada de sal e fermento na massa, pois “ tudo
o que é bom é nosso, nós somos de Cristo, Cristo é de Deus e Deus será tudo em
todos” (cfr.1 Coríntios 3,22- 23; 15, 20-29). Vem, Senhor Jesus! Ap 22,20 .
Dom Mauro Morelli é bispo emérito e fundador da Diocese de Duque
de Caxias. – é atualmente missionário na
Serra da Canastra, numa área pastoral com 2500kms2 , com 16
comunidades esparsas na área conflituosa
do Parque Nacional da Serra da Canastra.
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