Por Marcelo Barros
Pode-se discutir se o mundo atual parece mais desumano e
cruel do que era, há 50 ou 70 anos. Sem dúvida, há avanços e recuos. No ponto
de vista social e político, a crueldade da elite que domina o mundo parece mais
cínica. No Brasil, o governante elogia torturadores e deputados prestam
homenagens a ditadores. Uma mendiga que pede um real de esmola recebe como
resposta um tiro. A cada hora uma mulher é agredida por ser mulher. Sem falar
nos crimes motivados por homofobia e racismos.
O mais triste de toda essa cultura do ódio e da intolerância
é constatar que, de vez em quando, isso toma a cara de fanatismo religioso e as
Igrejas cristãs, através de seus pastores, não chegam a reagir de forma
profética e convincente. Mais do que em outras épocas, essa realidade revela que
as Igrejas e a humanidade precisam do que a liturgia latina chama de “tempo do Advento”.
Em latim, advento significa “vinda”. Conota um modo próprio de
esperar. Propõe aguardarmos a realização do projeto divino no mundo, do mesmo
modo como, a cada noite, o guarda noturno espera ansiosamente que o dia
desponte. Essa espera vigilante é ativa e colabora para que, logo, desponte a
madrugada da libertação.
As Igrejas cristãs mais antigas dedicam essas quatro semanas
antes do Natal para cultivar a expectativa da realização do projeto divino no
mundo. Nessa perspectiva, a festa do Natal é mais do que o aniversário do
nascimento de Jesus. é hoje, há cristãos que reduzem o Natal a uma memória
sentimental do nascimento do menino Jesus. Nunca foi essa a perspectiva pela
qual as Igrejas celebraram o Natal. Os antigos pastores ensinavam que não adianta
lembrar o nascimento de Jesus em Belém se não fizermos do nosso ser interior e
do mundo em que vivemos um presépio para acolher não apenas o menino Jesus, mas
o projeto pelo qual, um dia, ele nasceu nesse mundo. Jesus nasceu para nos
revelar a presença divina no ser humano. Mostra que a promessa feita por Deus
de um mundo renovado pela justiça e pela paz é atual e possível. Essa promessa
se realiza por iniciativa divina, mas através de nós e pelo nosso modo de viver.
Podemos apontar sinais concretos de que, de alguma forma, o projeto divino
começa a acontecer, mesmo em meio a todas as tragédias do cotidiano. É claro
que para perceber isso, temos de ser capazes de vislumbrar sinais da madrugada
que vem, mesmo na mais escura das noites. Para isso, é preciso ler a nossa fé e
interpretar toda a Bíblia como revelação desse projeto. Há cristãos que se
mantêm na fé por costume ou por conveniência religiosa. Apesar de serem pessoas
religiosas, não veem claro esse projeto divino em suas vidas. Por causa disso,
muitas vezes, não têm clara a sua missão no mundo. Ao mesmo tempo, há pessoas
não religiosas que não creem em Deus e, de algum modo, descobrem em suas vidas,
esse projeto de paz, justiça e cuidado amoroso da natureza.
Como a tradição cristã acentua que é a manifestação da
presença de Jesus que marcará a chegada definitiva do reinado divino, os
evangelhos nos convidam a esperá-lo como servos que aguardam, preparados e
atentos, a vinda do Senhor.
As Igrejas cristãs celebram o Natal no mesmo mês em que as
sinagogas judaicas recordam a festa de Hanuká, aniversário da dedicação do
templo de Jerusalém e da retomada da independência do povo de Deus no tempo dos
Macabeus. Provavelmente, foi durante essa festa que, um dia, Jesus foi ao
templo e chocou os sacerdotes e pessoas religiosas. Expulsou dali os vendedores
de animais para os sacrifícios. Fez isso para mostrar que Deus não precisa de
templos, nem de sacrifícios religiosos.
Tanto a tradição cristã quanto outros caminhos religiosos
ensinam que o templo da presença divina no mundo é todo ser vivo e todo o
universo como sinal de uma inteligência amorosa que conduz cada ser à vida e a
tudo governa. A festa do Natal não pode servir apenas para enganarmos nossa
solidão com o aumento de vendas no comércio e o estímulo ao consumo. É preciso armarmos
um presépio vivo em nosso coração e vermos todo o universo como templo vivo da
presença divina no mundo.
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