Por Marcelo
Barros
No começo deste mês, o papa Francisco iniciou a
celebração do Advento por uma peregrinação à localidade de Greccio, em meio aos
bosques do Lácio, na Itália, onde, em 1223, São Francisco de Assis construiu o
primeiro presépio de Natal. Ali, o papa no, o papa Francisco assinou a carta
apostólica Admirabile Signum sobre o
significado e o valor do presépio. Ao armar em nossas casas e comunidades um
presépio, estamos significando que queremos nós mesmos ser os personagens
verdadeiros de um presépio vivo de Natal. Não se trata de representar ou
repetir o conto de Belém e sim manifestar hoje no mundo o fato de que Deus
assume nossa humanidade e se manifesta nas pessoas que aceitam ser testemunhas
do seu amor pela humanidade.
O evangelho conta que, na primeira
noite de Belém, assim que os anjos se foram, os pastores correram para ver o
que de fato acontecera. Os anjos haviam dado um sinal: “vocês encontrarão um menino recém-nascido deitado em uma manjedoura”.
E eles encontraram tudo, conforme lhes fora anunciado. Nesse relato do Natal, a
primeira coisa que chama a atenção é a enorme contradição entre o esplendor do
anúncio dos anjos e a pobreza do que os pastores encontraram: uma manjedoura e
uma criança pobre, nela depositada. Ali aprendemos a reencontrar a presença
divina no que há de mais humano e, principalmente, na realidade das pessoas
feridas pela pobreza, pela injustiça e pela marginalidade. Ao insistir que Jesus
nasceu como migrante, em uma Belém “onde
não havia lugar para eles na hospedaria”, a tradição não quer apenas
sublinhar que Deus está presente junto aos empobrecidos, mas que está para
lutar a seu favor contra as injustiças do mundo.
Os antigos pastores da Igreja
ensinavam que a cruz de Jesus foi feita com a mesma madeira do presépio de
Belém. Era o seu modo de dizer que, ao deitar na manjedoura, Jesus já estava
assumindo sua condição de pobre, marginal e condenado pelo poder do mundo. Assim
como a cruz, também o presépio não era apenas um enfeite piedoso, como, às
vezes, ocorre em nossas casas. O presépio é um sinal da solidariedade de Deus
conosco; um modo de dizer a toda pessoa injustamente marginalizada: Deus está
do seu lado e vem lutar junto com você por sua libertação.
No Natal de hoje, temos também os
que continuam a função de Herodes. De acordo com a cultura dominante no atual
desgoverno brasileiro, a violência policial toma proporções inimagináveis.
Inimigos da humanidade reabrem a temporada de caça a líderes e representantes
dos povos indígenas, de trabalhadores rurais e de defensores dos direitos
humanos. No entanto, as comunidades continuam a caminhada. Nesse Natal, o
presépio de Jesus se apresenta a nós no leito de dor e de paciência do querido
profeta Dom Pedro Casaldáliga, que, com toda a sua fragilidade continua sendo
símbolo e testemunha do amor e da predileção divina pelos pequeninos. Cada
um/uma de nós tem em sua vida pessoal aspectos que parecem menos nobres e
apresentáveis. Esse lado de nossa vida é como manjedoura na qual a presença
divina vem se manifestar. Jesus repousa nas palhas de nossa vida para nos
conduzir a uma mudança de vida e à transformação do mundo. Esse é o caminho
novo do Natal.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor.
Tem 57 livros publicados, dos quais os mais recentes são: “Labirintos",
Ed. Sensu e ”Teologias para os nossos dias, Editora Vozes. Email:
irmarcelobarros@uol.com.br
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