Frei Betto
Todo
efeito tem uma causa, perceberam os gregos antigos. Quando causas nefastas não
são eliminadas, efeitos danosos costumam ocorrer em cascata.
Agora,
temos a triste notícia de que o rei Momo estará impedido de desfilar em muitas
ruas do Brasil, pelo segundo ano consecutivo. E deverá, como é aconselhado a
todos nós, permanecer recluso na medida do possível e guardar distanciamento.
Medidas que muitos não observaram entre o Natal e o Ano-Novo ao promover ou
participar de aglomerações em festas e encontros familiares. Agora,
padecem de influenza e Covid.
As
causas? O surto de gripe e as variantes da Covid. Mas serão essas as “causas
primeiras”, indagaria Aristóteles?
Tudo
indica que a culpa é do ecocídio praticado por nós, seres humanos, nos últimos
200 anos. Vírus que sempre transitaram entre animais supostamente irracionais,
sem afetá-los seriamente, agora se transferem para os seres humanos,
supostamente inteligentes, já que os ecossistemas são destruídos e as
interações biológicas, rompidas.
Em busca
de lucros e convencida de que os humanos são sujeitos e a natureza mero objeto,
a concepção capitalista (também presente em países socialistas) devasta o
Planeta e altera seu equilíbrio socioambiental, como denuncia o papa Francisco
em sua encíclica “Laudato Si”. Agora, assistimos, como alertou Lovelock, “à
vingança de Gaia”. A riqueza de uns poucos resulta em sofrimento de muitos.
Como o excesso de chuvas que castiga regiões do Brasil, coincidindo com o
período extremo de seca em regiões altamente produtivas, como Mato Grosso do
Sul e Rio Grande do Sul.
Querer fazer de uma coisa o seu
contrário é próprio da festa de Momo. Foi o que observou Goethe ao visitar
Roma, no Carnaval de 1787: “Rapazes disfarçados de mulheres do povo, com seus
trajes de festa, o peito descoberto, audaciosos até a insolência, acariciam os
homens com quem cruzam; tratam, com familiaridade e sem cerimônia, as mulheres
como suas colegas e se deixam levar por todos os excessos, ao sabor dos
caprichos, do espírito e da vulgaridade. As mulheres também se divertem
prazerosamente ao mostrar-se em trajes masculinos”. Produzem resultados que o
poeta não hesita em definir como “muito interessantes”.
“Aqui,
basta um sinal”, prossegue Goethe, “para anunciar que cada um pode enlouquecer
do modo que deseja e, à exceção de golpes de porrete ou faca, quase tudo é
permitido. A diferença entre castas alta e baixa parece, por um instante,
suspensa; todos se aproximam uns dos outros, todos aceitam com desenvoltura
seus destinos, enquanto a liberdade e a permissividade são mantidas em
equilíbrio pelo bom humor universal”.
O
escritor alemão constatou que os cocheiros se fantasiavam de senhores e os
senhores, de cocheiros. E mesmo os abades, com suas túnicas negras, geralmente
merecedores do maior respeito, viravam alvos ideais dos lançadores de confetes.
Não por acaso, observou Goethe, o
Carnaval não é uma celebração oferecida ao povo pelas autoridades, mas sim uma
“festa que o povo oferece a si mesmo” (Viagem à Itália, São Paulo,
Companhia das Letras, 1999).
Contudo,
há algo que, neste ano, podemos fazer dele o seu contrário além do Carnaval: o
Brasil. Nos últimos três anos, nosso país tem sido vítima de genocídio e
ecocídio. Seria exaustivo reproduzir aqui os índices de desmatamento de nossas
florestas; a contaminação dos rios pelo mercúrio do garimpo e da engrenagem
química das mineradoras; o retrocesso nos direitos trabalhistas; os aumentos do
desemprego, da inflação, do custo de vida, da fome, da violência, da pobreza
extrema; os retrocessos na saúde e na educação.
O Brasil merece ter um futuro
contrário a tudo isso. Mas não basta desejar. É preciso participar, desde
agora, do processo eleitoral que se inicia, e encará-lo como um grande mutirão
plebiscitário. Mudar os governos estaduais, o Congresso Nacional e a
presidência da República.
Neste ano do bicentenário da
nossa independência de Portugal, o Brasil merece comemorá-lo dando um basta a
tudo isso que o impede de ser um país soberano e uma nação com menos
desigualdade social e mais autoestima.
Frei Betto é escritor, autor de “O diabo na corte –
leitura crítica do Brasil atual” (Cortez), entre outros livros. Livraria
virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 70 livros, editados no Brasil
e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org Ali
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