Marcelo Barros
Por vários motivos, no Brasil, esse assunto parece ser
dos mais atuais e importantes. Antes de tudo, porque, há várias eleições, não
poucos bispos e pastores pentecostais e evangélicos, assim como também alguns
padres e bispos católicos, fazem de tudo para mostrar que Deus aceitou ser cabo
eleitoral dos candidatos que eles, pastores, defendem. Além disso, querem
desmoralizar e demonizar os seus adversários aos quais, indiscriminadamente, denominam
como sendo de esquerda, sem se preocupar em saber o que isso possa significar.
Não basta terem muito mais dinheiro do que os outros e contarem com o apoio de
grandes meios de comunicação. Procuram desviar a discussão dos problemas do
país e trazer para o centro das campanhas eleitorais o projeto de manutenção da
moral sexual e dos padrões da família brasileira.
Recentemente, no domingo, 23 de janeiro último, Renato
Cardoso, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, espalhou à imprensa uma
declaração na qual afirma que “cristão de
verdade não pode, nem deve compactuar com ideias esquerdistas” e explica: “A esquerda prega contra o casamento
convencional e destrói a rede familiar para salvar o povo, usando
assistencialismo manipulador” (Cf. Carta Capital, 24/01. 2022).
Qualquer pessoa medianamente informada e com o mínimo
de senso crítico percebe que esses ministros religiosos falam de Deus e da fé,
como se fossem proprietários da marca Deus. Como se Deus tivesse assinado contrato
de exclusividade com eles e os seus grupos.
Para todas as religiões, Deus é Mistério e, como
afirmava o Mestre Eckhart, místico medieval: “tudo o que se disser dele, revela
mais da pessoa que fala aquilo do que, propriamente, de Deus”. No Budismo, não
se fala em Deus. Nas tradições de matriz africana e de povos originários, os
cultos e expressões de piedade se fazem às manifestações divinas na natureza.
De acordo com a Bíblia, a primeira recomendação divina
no Sinai foi nunca pretender usar o nome de Deus. Um documento cristão do
primeiro século afirma que “muitas vezes e de vários modos, Deus nos fala pelos
profetas e profetizas, assim como fala, particularmente, por Jesus” (Hb 1, 1).
No entanto, nunca os profetas, nem Jesus, se comportaram como donos de Deus.
Para receber sua Palavra, tiveram de, em primeiro lugar, receber essa Palavra
para si mesmos e viver aquilo que deveriam transmitir aos outros.
Por toda a Bíblia, do início ao final, há uma pergunta
que precisa sempre ser respondida: como se sabe se a profecia que é falada vem
mesmo de Deus. Para essa pergunta, o apóstolo Paulo propõe dois critérios: 1º -
confessar Jesus como Senhor. (É Jesus e não a Igreja). 2º - verificar se aquilo que fala serve para
edificar (construir) a comunhão da comunidade (1 Cor 12). As falas que são para
semear divisão, jogar pessoas umas contra as outras e criar uma cultura de
fake-news só podem vir de falsos profetas.
Construir a comunidade é continuar a ação de Jesus
que, conforme os evangelhos, “passou pelo mundo fazendo o bem” (At 10). Não
anunciou a si mesmo e sim testemunhou o projeto de amor e justiça que Deus tem
para o mundo (o reinado divino). Assim sendo, quando vocês virem pastores
pentecostais ou bispos e padres católicos, compactuando com governante genocida
ou com juiz venal e desonesto, saibam que esses ministros religiosos são
impostores e merecem o que deles afirmava o cineasta Woody Allen: “Deus deve ser
um cara bom, mas esses amigos dele, eu não recomendo a ninguém”.
Tenho muita alegria e ao mesmo tempo muita responsabilidade quando eu leio um texto do Marcelo, pois o texto é sempre a raiz da árvore e não a copa da árvore.
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