Marcelo Barros
Nestes dias, de 11 a 15 de novembro, em Olinda e Recife, a Igreja
Católica realizou o XVIII Congresso Eucarístico Nacional, reunindo milhares de pessoas
em grandes celebrações, um simpósio teológico e outras atividades para
aprofundar o sentido da Eucaristia. Os Congressos eucarísticos surgiram a
partir do século XIX, em outro contexto histórico. Nasceram ligados à devoção
eucarística e à preocupação de manifestar publicamente ao mundo a fé na
presença de Jesus no pão consagrado.
A partir do Concílio Vaticano II (1962- 1965), a Igreja Católica
mudou a visão sobre a sua missão no mundo e o sentido da eucaristia. O Concílio
nos fez aprofundar os evangelhos. Estes nos mostram que Jesus retoma a Páscoa
judaica e a atualiza. Na Páscoa, como todo o povo de Deus, Jesus celebra a
memória da libertação da escravidão do Egito, mas a radicaliza o mais que pode.
Propõe a partilha do pão e do vinho, como expressão do mandamento novo que dá
aos discípulos/as: “Amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei” (Jo 13, 34).
Os apóstolos e muita gente do povo esperavam que ele cumprisse a
função política de libertar Israel do domínio romano. Jesus frustrou essa
expectativa. Centrou a sua atividade profética contra a religião ritual do
templo e propôs uma libertação que não parte de armas e sim de uma transformação
interior no modo de ser das pessoas e das culturas que suscita relações
comunitárias de igualdade, comunhão de bens e cuidado recíproco.
De acordo com os evangelhos, na noite em que seria preso e
condenado, Jesus ceia com os discípulos e discípulas. Ali, revela o sentido
profundo da entrega da sua vida e pede que ao partilhar o pão e o vinho na
refeição, a comunidade faça a memória da Páscoa e aceite doar a sua vida.
Assim sendo, a veracidade da eucaristia não consiste apenas na
fidelidade material ao rito. O gesto litúrgico deve corresponder à verdade da
vida. Provavelmente, por isso, o quarto evangelho, no lugar de contar a
instituição da eucaristia, descreve que, na ceia, Jesus lava os pés dos
discípulos e manda que isso seja feito por todos, uns com os/as outros/as.
O Concílio Vaticano II recuperou a dimensão comunitária da
eucaristia. Como dizia Santo Agostinho: o pão é o sinal da comunidade que é o
corpo de Cristo. Hoje, cada vez mais a Igreja se dá conta de que a relação
entre celebração e vida é desafio
permanente. Se a comunhão da eucaristia não leva às pessoas a um novo modo de
organizar a vida, baseado na partilha, a
celebração perde muito da sua veracidade.
Este XVIII Congresso Eucarístico aconteceu em um momento do Brasil,
no qual uma onda de mentiras e notícias falsas amedrontou comunidades católicas
e protestantes com a ameaça do Comunismo. Pelo medo irreal de que templos sejam
fechados e leis morais da Igreja desobedecidas, não poucos pastores e fieis deram
ao mundo o triste testemunho de uma Igreja não amorosa e nada solidária com os
mais empobrecidos. Provavelmente, muitos dos padres e católicos que se
posicionam a favor do autoritarismo e da violência não percebem que essa
cruzada contra o fantasma do comunismo contém uma postura extremamente
anti-eucarística, já que é discrimanatória e pouco amorosa.
A eucaristia exige de nós o cuidado de não desligar o rito da proposta
eucarística de Jesus que é a de um mundo renovado a partir do amor solidário, em
uma sociedade sem armas e sem discriminações sociais, inclusiva e aberta a
todos e todas. Ao escolher como tema deste Congresso “Pão em todas as mesas”,
como canta uma de nossas mais belas canções, a Igreja Católica no Brasil assume
a proposta feita pelo papa Francisco no 52º Congresso Eucarístico em Budapeste:
“A celebração da Eucaristia deve gerar
uma cultura eucarística, porque impele a transformar em gestos e comportamentos
de vida a graça de Cristo que se doou totalmente. (…) A Eucaristia deve se
traduzir em cultura eucarística, capaz de inspirar os homens e as mulheres de
boa vontade nos âmbitos da caridade, da solidariedade, da paz, da família e do
cuidado com a criação” (Cf.
https://pontosj.pt/especial/por-uma-cultura-eucaristica/).
Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019. Email: irmarcelobarros@uol.com.b
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