Marcelo Barros
As recentes
eleições no Brasil chamaram atenção do mundo inteiro para a importância do
fator religioso na campanha de candidatos que se apresentaram como candidatos
de Deus e de Igrejas, nas quais era mal visto quem não votasse de acordo com o
indicado pelo padre ou pastor.
Nestas eleições
que se concluíram neste domingo, enquanto mais da metade da população
brasileira votava no presidente Lula por ver na proposta de sua candidatura a
retomada da Democracia e maior cuidado com as categorias mais empobrecidas do
povo, católicos e evangélicos tradicionalistas pediam a Deus ou a Nossa Senhora
para libertar o Brasil da esquerda e do que chamam fantasmagoricamente de
Comunismo. Deus deve ter se sentido como quando, na copa de futebol, jogadores de dois times rivais fazem promessa
para Deus dar a vitória ao seu time e Deus tem de escolher de qual time será
torcedor.
Na sociedade brasileira,
a ingerência de Igrejas em eleições e na Política não é algo novo. Desta vez, a
novidade foi o uso e abuso das redes sociais, assim como o fato de alguns
pastores e padres se servirem de fake-news e mentiras deslavadas, sem nenhum
escrúpulo ético ou religioso.
A aliança de
grande parte de ministros e grupos eclesiásticos com a direita violenta revela
atração de caráter quase erótico das
hierarquias pelo autoritarismo político e pelo sonho de retomar o poder
sobre a sociedade.
A Igreja Católica chegou ao
Brasil de
braço dado com os colonizadores, em cujas fazendas mantinham capelães que legitimavam
religiosamente a escravidão de negros e índios. Com pouquíssimas exceções,
bispos e padres sempre apoiaram reis e senhores. Nas primeiras décadas do
século XIX, quando quase todos os países do continente já eram independentes, o
papa ainda publicava bulas que obrigavam os católicos latino-americanos a se
submeterem aos reis de Espanha e Portugal.
Na segunda metade do século XIX,
vieram Igrejas evangélicas. Traziam na bagagem uma cultura típica do sul dos Estados
Unidos: racista, escravocrata e favorável à supremacia branca de perfil
protestante.
Até meados do século XX, no
Brasil, era normal os bispos católicos
indicarem candidatos para o povo votar e a Liga Eleitoral Católica (LEC)
dizia em quem os católicos não podiam votar.
Na década de 1960, vários países do continente viveram
sob ditaduras. Com algumas exceções, as autoridades eclesiásticas apoiaram os
militares contra o fantasma do Comunismo, com os mesmos argumentos que, ainda
hoje, muitos padres e pastores usam para apoiar a extrema direita. Nada de novo
debaixo do sol. A única novidade é a acirrada competição entre grupos católicos
tradicionalistas e comunidades pentecostais e evangélicas de tendência fundamentalista
para ver quem consegue reimplantar no Brasil um regime de Cristandade.
Em 2019, a parábola do filme “Divino Amor” do cineasta
Gabriel Mascaro previa para 2027 um Brasil evangélico, dominado pela Igreja do
Divino Amor. A festa do Carnaval tinha sido abolida e a única religião
permitida era a seita do Divino Amor, que reduzia Deus às conveniências
sociais, econômicas e também sexuais dos ministros eclesiásticos.
Do mesmo modo, vários grupos católicos lutam com unhas
e dentes para serem eles a impor o Brasil católico do jeito deles e em nome de
Jesus. Como canta sarcasticamente o grupo teatral “Companhia do Tijolo”: Jesus
manda dizer que não gosta de marcha para Jesus. Prefere os atabaques e o ritmo
dos terreiros. Não rejeita uma cervejinha com amigos no bar da esquina, como
fazia no tempo em que convivia com as pessoas que os religiosos do templo
julgavam como infiéis e de vida errada.
Agora, precisamos de profetas e profetizas que
recordem aos interessados: Deus não assinou contrato de exclusividade com ninguém.
A este novo tipo de doutores da lei e sacerdotes dos novos templos de Salomão
ou de Malafaias, sejam pentecostais, sejam católicos, Jesus repete o que disse
aos antigos fariseus: “Em verdade, vos
digo: os cobradores de impostos e as prostitutas entrarão antes de vós no reino
de Deus” (Mt 21, 31).
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