Frei Betto
A teoria marxista tem como um de
seus pilares metodológicos a análise do desenvolvimento das forças produtivas.
É considerada força produtiva tudo que concorre para a produção: capital,
terra, matérias-primas, equipamentos etc. A principal, entretanto, é o trabalho
humano.
O marxismo pouco se refere ao
desenvolvimento das forças indutivas, determinantes em tudo que o ser humano
faz. O que motiva o trabalhador a produzir não é a imponência do prédio que o
pedreiro ajuda a erguer nem a velocidade do carro que o metalúrgico produz na
montadora. É a necessidade do salário para poder sobreviver.
O que move o ser humano, em última
instância, são fatores subjetivos como interesses, ambições, sonhos e ideais.
Os trabalhadores, interessados em obter renda para o próprio sustento e de suas
famílias, aceitam se alienar ao fazer o que não condiz com a sua índole - como
o caminhoneiro que gostaria de trocar seu volante pelo arco de um violino
-, e ao produzir mais-valia apropriada pelo patrão.
As forças indutivas têm suas fontes
na necessidade (a busca de um emprego); na religião (assumir, em nome
de uma crença, a missão que implica riscos); na ideologia (arriscar a vida
por uma causa); na arte (dedicar-se a uma atividade artística ainda que haja
penúria); no amor (a uma pessoa ou causa). E essas forças indutivas podem
servir para legitimar a (des)ordem social, por omissão ou cumplicidade, ou
modificá-la reacionária ou revolucionariamente.
Considero a principal falha dos
governos progressistas da América Latina não investir o
suficiente no desenvolvimento das forças indutivas que adotam postura crítica e
revolucionariamente transformadora frente às atuais forças produtivas. É um
equívoco supor que eleitores de governos e políticos progressistas pensem como
os eleitos. Há muitos fatores que induzem um eleitor a votar em um candidato, e
nem sempre quem vota em candidato de esquerda é necessariamente de
esquerda.
Transitei muitos anos por países
socialistas, como descrevo no livro “Paraíso perdido – viagem pelo mundo
socialista” (Rocco). Estive com inúmeros dirigentes comunistas. Lembro-me de
russos que me encaravam com espanto: como um frade católico pode ser de
esquerda e socialista? Hoje me pergunto se aqueles que ocupavam funções de
poder na União Soviética lutam para derrubar o capitalismo bárbaro que ali se
instalou e por um futuro socialista...
Naqueles contatos, parecia óbvio
que muitos eram induzidos a apoiar o socialismo porque desfrutavam dos
privilégios do poder, e não por serem convictamente revolucionários. Se o
coração tem razões que a razão desconhece, a ambição tem razões que a razão
ratifica e o coração se apega, em especial quando se afaga o ego e o bolso.
Como explicar que, após
14 anos de o PT governar o Brasil, Bolsonaro tenha sido eleito em
2018? Faltou desenvolver as forças indutivas da população. Em outras palavras:
não se investiu na educação política do povo. A direita, através da ideologia
dominante e dos grandes veículos de comunicação, faz a cabeça de milhões que
aceitam, passivamente, que fora do capitalismo não há salvação; a desigualdade
social é tão natural como o dia e a noite; valores monetários estão acima de
valores morais.
Desenvolver as forças indutivas
implica uma metodologia pedagógica, como a adotada pelo MST na Escola Florestan
Fernandes e o Levante Popular na Escola Paulo Freire. E está
sobejamente explicitada nas obras de Paulo Freire. Por isso, os neofascistas o
temem tanto. Sabem o quanto contêm de poder de conscientização, organização e
mobilização populares.
Esta me parece uma das principais
tarefas do novo governo Lula, ao lado do combate à fome e a redução
da desigualdade social: desenvolver as forças indutivas. Não se trata de
promover uma ampla campanha nacional de formação ideológica. A disseminação de
ideias não resulta, inevitavelmente, em práticas que as reflitam. O governo
deveria incluir em todos os seus programas sociais e políticas públicas
recursos de indução das motivações subjetivas.
Dou dois exemplos. As
condicionalidades do Bolsa Família são, na educação, frequência escolar
mensal mínima de 85% para beneficiários de 6 a 15 anos, e de 75% para os
adolescentes que recebem o Benefício Variável Vinculado ao Adolescente (BVJ);
e, na saúde, vacinação e acompanhamento nutricional (peso e altura) de crianças
menores de 7 anos, e pré-natal de gestantes.
Por que não incluir um curso de
capacitação profissional dos pais, seja de língua portuguesa (ensinar a gostar
de ler e escrever melhor), seja de culinária (evitar o desperdício doméstico),
seja aprimorar ofícios que já exercem? Através dessas atividades pode-se fazer
um excelente trabalho de educação popular.
No Brasil, existem cerca de 265 mil Agentes
Comunitários de Saúde (ACS), que monitoraram milhares de famílias atendidas
pelo poder público, verificam se as vacinas estão em dia, encaminham gestantes
para o pré-natal e prestam outros serviços considerados de atenção
básica. Não valeria a pena incluir educação popular na
formação desses agentes com tanta capilaridade nacional?
Além desse trabalho de base a ser
feito, o governo dispõe de uma poderosa rede de comunicações via Anatel,
Correios, EBC e Telebras, cujos conteúdos deveriam ser adequados a fortalecer
as forças indutivas em prol das políticas públicas.
Se o governo e os movimentos
populares que o apoiam não atuarem nessa direção, a direita sem dúvida fará
soprar os ventos contrários e porá em risco o barco da governabilidade. Sem
poder contar com o apoio do Congresso, resta ao governo somente a alternativa da
educação popular para mobilizar a sociedade civil e suscitar seu protagonismo
político.
Frei Betto é escritor, autor de “Por uma educação crítica e
participativa” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 73 livros, editados
no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria
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