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por MARCELO BARROS |
“As grandes tradições orientais do
Hinduísmo e do Budismo presenteiam a humanidade com místicas muito profundas.
Hoje existem terapias baseadas em métodos de respiração oriental. No mundo,
inteiro, muita gente faz ioga. Outras tradições espirituais como o Xamanismo têm
outras propostas de misticismo. Em que consiste a mística cristã?”. Essa
pergunta me foi dirigida em uma entrevista na televisão e muita gente a retoma
com certa frequência. Não se trata apenas de uma questão religiosa em si, mas de
saber qual é a contribuição da mística para que as pessoas possam ter uma vida
mais equilibrada e sadia.
Mística tem a mesma raiz de mistério.
Vem de um termo grego que significa iniciação. Diz respeito à intimidade mais profunda
que motiva e impulsiona a vida interior de alguém e de um grupo. Como ninguém
pode encontrar a Deus, nem ao outro ser humano, se não se encontra
profundamente consigo mesmo, o cultivo da interioridade é básico em todas as
tradições espirituais. Na Bíblia, um salmo ora: “Unifica o meu coração, para eu
viver na intimidade do teu amor” (Sl 86, 11). Os místicos antigos se chamavam
monges (o termo grego monos quer dizer uno) porque viviam para alcançar a
unidade interior. São Gregório escreveu sobre São Bento que ele “habitava
consigo mesmo”. Essa busca da unidade interior é graça divina, mas pede um
cultivo. Não acontece espontaneamente e sem método. Alguns elementos desse
caminho são universais e ecumênicos. Outros são próprios de uma ou outra
tradição. O Cristianismo antigo herdou das religiões orientais a técnica da
meditação, retomou a repetição de um mantra ou invocação (por exemplo, a oração
do nome de Jesus). Refez costumes como a peregrinação e a importância da
solidariedade e da partilha. Essas duas dimensões (a interior e a social) se
completam uma a outra. O Budismo faz da esmola uma exigência prévia para alguém
ser monge. O Islã também coloca a misericórdia com o outro como mandamento
fundamental. O Cristianismo insiste que se a gente não se relaciona com o irmão
a quem vê não pode se relacionar com Deus a quem não vê (Cf. 1 Jo 4, 20).
Dietrich Bonhoeffer, teólogo, vítima do nazismo, dizia: “O Cristo está em mim
para você e está em você para mim. Ele está em mim, mas eu só o encontro em
você e está em você, mas você só pode encontrá-lo em mim”.
Hoje, existem grupos espiritualistas
que desenvolvem um tipo de espiritualidade baseada na autoajuda, em cuidados
consigo mesmo e com a saúde. Esse tipo de caminho é legítimo e pode ser até
importante, mas não chega a ser verdadeiramente um caminho espiritual, enquanto
não nos leve a sair de uma autoajuda de tipo egoísta para nos colocar em
comunhão com os outros e com todo o cosmos.
Em um mundo agitado e uma sociedade
agressivamente competitiva, a contribuição mais importante de uma mística
ecumênica é nos tornar capazes de sermos pessoas de profunda escuta do outro,
capazes de comunhão universal e profundamente solidários com o destino da
humanidade. Na primeira vez em que o Dalai Lama veio a São Paulo, alguém lhe
perguntou como, na cidade grande, desenvolver um caminho místico. Ele
respondeu: “Toda pessoa tem dentro de si uma semente de compaixão. Você é uma
pessoa mística quando a desenvolve e a faz transformar-se em uma árvore que se
identifica com o seu modo de viver”.
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