Marcelo Barros
Daqui a um mês, o
papa Francisco completará dez anos como bispo de Roma e papa, ou seja,
patriarca-primaz das Igrejas da comunhão católico-romana em todo o mundo. O que
marca este aniversário é o seu convite para que toda a Igreja Católica se
organize a partir da Sinodalidade.
De fato, a
Sinodalidade foi a forma da Igreja se organizar durante os primeiros séculos.
Ao convocar o Sínodo, o papa citou João Crisóstomo, que, no século IV afirmava:
“Sinodalidade é o jeito normal de ser Igreja”.
Etimologicamente, Sinodalidade
significa “caminhar juntos”. No Brasil, desde 1970, estimuladas pela 2ª
Conferência dos Bispos Latino-americanos,
várias Igrejas locais se abriram às comunidades eclesiais de base. Essas
dioceses mais abertas sempre foram pluralistas. Contavam com grupos de
tendências diversas, mas, as Cebs
influíram muito no seu modo de viver a missão. Essas Igrejas locais se
tornaram conhecidas como “Igrejas da Caminhada”. Apesar de não se definirem como
sinodais, viviam a Sinodalidade como “caminhada” de inserção no mundo social e
político, a partir da Espiritualidade Ecumênica Libertadora.
O principal
inimigo desta Sinodalidade a partir de baixo foi o próprio Vaticano, que, até
que Francisco se tornasse bispo de Roma, não apoiou a Caminhada das Cebs e das
dioceses que se organizaram a partir delas. Até então, as Igrejas locais que se inseriram
profeticamente na caminhada dos pobres sofreram perseguições e foram
marginalizadas.
Atualmente, muitas
dioceses e paróquias privilegiam como modo de viver a fé um devocionalismo
barroco sentimental e pouco profundo. Em visita recente ao sul da Itália, o
papa Francisco se referiu a esse gosto de muitos clérigos jovens como nostalgia
do tempo de suas avós.
De fato, o projeto
pastoral de muitas dioceses e paróquias é o retorno à Cristandade, ou seja, a uma
Igreja centralizada, com hierarquia poderosa e influente. É um modelo de
Igreja, claramente anti-sinodal, baseado na divisão entre sagrado e profano e
centrado na exterioridade do culto e na rigidez de regras morais, imposta ao
menos aos de fora.
Nesta, a maioria
dos religiosos/as, padres e bispos acolhe a proposta da Sinodalidade, porque o
papa mandou e nos ambientes eclesiásticos, é o assunto da moda. No entanto, não
se deixam penetrar pelo espírito da Sinodalidade. Não querem viver uma Igreja
sinodal.
A eclesiologia da
Igreja local, proposta pelo Concílio Vaticano II, ao afirmar que cada Igreja
particular é plenamente Igreja e não apenas filial de Roma ainda é pouco
compreendida e aceita. Mesmo alguns setores abertos e ligados à caminhada dos
pobres critica o clericalismo e o autoritarismo de Roma, mas o aceita, se este
puder lhe ser favorável.
A sinodalidade pede de nós superarmos o
Direito Canônico e os argumentos de cúria. Pretender Sinodalidade em Igreja clerical e
baseada no poder hierárquico é querer tornar possível a quadratura do círculo.
A base do sistema
de Cristandade é a fé em um Deus como Senhor todo-poderoso que legitima as
estruturas injustas do mundo. Divide as pessoas em crentes e descrentes, santos
e pecadores. É um deus narcisista que precisa ser agradado para salvar as almas.
Conforme os evangelhos, Jesus combateu e denunciou este tipo de religião. Por
isso, os sacerdotes do templo pediram ao governador romano para condená-lo à
morte.
Já no final do
Concílio Vaticano II, ao assinarem o Pacto das Catacumbas, um grupo de bispos
se comprometeu a romper com o modelo autoritário do poder e se tornarem pobres
junto com os pobres, em uma Igreja servidora da humanidade. Há anos, o saudoso
profeta Pedro Casaldáliga afirmava que a Igreja de Jesus Cristo não é
democrática, porque tem de ir além da Democracia e ser Comunhão. A Sinodalidade
não põe em questão a diversidade de ministérios. Reconhece e valoriza os
carismas de coordenação eclesial, mas pede que se renuncie ao estilo de poder
hierárquico que nada tem a ver com Jesus e o seu evangelho.
Esta proposta da
Sinodalidade não diz respeito só internamente à Igreja. Caminhar juntos e
suscitar estruturas participativas é desafio espiritual, mas também social e
político para toda a sociedade. Mais do que em outras épocas, em vários países,
a Democracia é posta à prova por grupos de elite e governantes que admiram o
autoritarismo e elogiam ditaduras militares. Torna-se assim, ainda mais urgente
o apelo do papa Francisco em sua carta-encíclica Fratelli
Tutti: o desafio de construir uma fraternidade universal que assegure Paz e
Justiça eco-social para todos e todas, tendo a Vida em primeiro lugar. Sob outros nomes e com outras designações, o
projeto de Sinodalidade para as Igrejas pode e deve valer para toda a sociedade
como caminho para um novo mundo possível.
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