Frei Betto
Lula
já declarou que 4 anos passam muito rápido e ele tem pressa. Sabe que seu
desafio prioritário é administrar um conjunto de medidas socioambientais:
reduzir a desigualdade social; erradicar a fome e diminuir a insegurança
alimentar; fazer a inflação refluir; evitar o desmatamento de nossos
biomas; proteger os povos indígenas; preservar a floresta amazônica;
reindustrializar o país; aumentar investimentos em infraestrutura.
São
medidas semelhantes às de seus dois primeiros mandatos e que o fizeram deixar o
governo com 87% de aprovação. Na época, seu polo opositor era o PSDB que, visto
de hoje, pode ser comparado a uma elegante dama que, numa batalha de canhões,
empunha luzidia esgrima.
O
golpe liderado por Temer em 2016, que resultou na derrubada da presidenta
Dilma; a prisão ilegal de Lula pela dupla Dallagnol-Moro; e a eleição de
Bolsonaro em 2018; comprovaram que um governo não se sustenta apenas com boas
ações administrativas. Nem com maioria parlamentar. É imprescindível outro ingrediente
capaz de respaldar as lideranças políticas ainda que elas se encontrem fora do
governo: apoio popular. Maquiavel demonstrou que sem o apoio do povo o príncipe
não reina, ainda que não perca a majestade.
Como
se conquista apoio popular em uma conjuntura na qual a mais extremada direita
se parece a um pitbull que ladra forte, enquanto a esquerda emite fracos
miados? Eis um desafio que os governos do PT jamais priorizaram em suas pautas
– a politização do povo brasileiro. Basta dizer que as prefeituras de Maricá
(RJ) e Ipatinga (MG) foram administradas por quatro mandatos petistas e nas
eleições de 2022 os dois municípios deram vitória a Bolsonaro no primeiro e no
segundo turnos.
O
leitor talvez se pergunte como Bolsonaro, um obscuro deputado federal, foi
capaz de se eleger presidente, arrebatar tantos apoiadores e mobilizar a turba
fanática que vandalizou a Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro e, ainda hoje,
prossegue disseminando o terrorismo presencial e virtual.
Bolsonaro
apenas serviu de estopim para um bomba que vinha sendo alimentada há décadas,
desde que o Brasil cometeu o erro de não acertar contas com três vergonhosas
manchas de seu passado: a escravidão (hoje os negros são duplamente
discriminados: por serem negros e por serem pobres, pois foi negado aos
libertos o acesso à terra); a ditadura de Vargas (derrubado em 1945, o ditador
voltou à presidência da República, por voto popular, em 1950); e a ditadura
militar (torturadores e assassinos foram inocentados por uma esdrúxula lei da
anistia).
Além
dessas graves omissões, vivemos em um sistema capitalista que favorece as
forças de direita ao exaltar a acumulação privada da riqueza acima dos direitos
humanos; o supremacismo branco; a lei do talião como medida de justiça; o
belicismo como solução às contendas. Toda essa conjuntura foi anabolizada por
dois fenômenos, um atual – as redes digitais e, outro, velho
como o cachimbo de Adão - o fundamentalismo religioso.
As
redes digitais, controladas por plataformas visceralmente ligadas ao capital,
favorecem o individualismo e o narcisismo, e proporcionam um relativo
distanciamento propício à manifestação de nossos impulsos atávicos mais
agressivos. Para muitos de seus usuários, elas são convenientes porque cancelam
o diálogo e impõem o monólogo (mesmo quando coletivo e fechado em uma bolha
identitária); permitem a emoção se sobrepor à razão; promovem a mentira à
condição de pós-verdade; encobrem a verdadeira identidade do emissor; e escapam
da legislação vigente, o que as torna inimputáveis.
O
fundamentalismo religioso internaliza nos fiéis a “servidão voluntária”,
induzindo-os a identificar a palavra do padre ou pastor com a de Deus; abdicar
da razão crítica; negar a laicidade do Estado e mirar a política pela ótica da
confessionalização, exigindo leis que reflitam os preceitos religiosos de
determinado segmento eclesial.
Diante
desse quadro, só resta ao governo Lula abraçar, como prioridade número 2, a
educação política de nossa população. Tarefa que ele delegou à Secretaria Geral
da Presidência da República e requer urgência no seu desempenho, tanto na
capilaridade alcançada nacionalmente pelo governo federal (como as 22 milhões
de famílias do Bolsa Família), quanto da poderosa máquina de comunicação do governo,
como a EBC, a Voz do Brasil e a transversalidade da ação
interministerial.
Para
assegurar sua governabilidade, um governo necessita duas pernas: maioria
parlamentar e apoio popular. Sabemos todos que a primeira é falha na atual
legislatura. Resta a Lula desencadear intenso trabalho político para reforçar a
segunda. E, para isso, não bastam boas ações administrativas, como Minha Casa,
Minha vida, aumento do salário mínimo ou do emprego. É preciso trabalhar o
universo epistêmico das pessoas, mudar a ótica de visão da realidade, o que só
se consegue com educação.
É
hora de trocar, definitivamente, Paulo Guedes por Paulo Freire.
Frei Betto
é escritor, autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Rocco), entre
outros livros. Livraria virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 73 livros,
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