Frei Betto
Os
primeiros meses do governo Lula mostram como será difícil reconstruir o Brasil.
A frente ampla em defesa da democracia para vencer a eleição expressa limites
para o avanço em políticas que apontem para um futuro estruturalmente melhor
para a população, em especial os mais pobres.
Na
educação, o exemplo é o Ensino Médio, cuja reformulação e implementação teve
origem no governo Temer. O golpe parlamentar contra a presidenta Dilma legou ao
país a profunda crise política em que ainda estamos enrascados e, no bojo, as
heranças malditas do teto de gastos, da liberalização da terceirização, da
precarização das relações de trabalho e do chamado “novo Ensino Médio”. O golpe
visou fazer avançar estas contrarreformas de nítido sentido neoliberal e
antipopular.
Desinteresse
em relação às disciplinas e currículos, elevada evasão de alunos, necessidade
de conexão entre teoria e prática e com o mundo do trabalho. São fatores
importantes que exigem constante avaliação e eventual reformulação do Ensino
Médio. O governo Dilma já debatia alterações nesta etapa da educação, que
representa os anos finais da escolarização da juventude.
O
projeto de lei 6.840, de 2013, esboçava mudanças pretendidas pelo governo em
relação ao Ensino Médio. Era avaliado criticamente por entidades de professores
e estudantes, inclusive ao propor elementos de organização curricular que
depois seriam retomados pelo “novo Ensino Médio”, como a redução das
disciplinas comuns e a oferta de temas de livre escolha.
O
golpe de 2016, entretanto, interrompeu este processo de diálogo. Através da
Medida Provisória 746/2016 e, posteriormente, da Lei 13.415/2017, o governo
Temer impôs o “novo Ensino Médio”, que alterou a Base Nacional Comum Curricular
e seu suporte pedagógico legal, depois aprovada no governo Bolsonaro.
Como
se deu a aprovação? Alterou-se a composição do Conselho Nacional de Educação,
com a nomeação de conselheiros ligados às fundações e institutos empresariais,
defensores das orientações do Banco Mundial para a educação.
A
Base Nacional Comum Curricular, portadora dos conceitos neoliberais de
empreendedorismo e meritocracia, engessa o currículo escolar do Ensino Médio.
Conteúdos de Matemática e Língua Portuguesa passam a ser oferecidos quase no
limite de um ensino para domínio instrumental dessas disciplinas, essenciais
para a formação plena do estudante.
O
que Temer e o Congresso Nacional impuseram significou a precarização do
currículo escolar e comprometeu a formação dos estudantes, ao reduzir a carga
horária da Formação Geral Básica (Português, Matemática, História, Geografia,
Ciências, Artes, Filosofia, Sociologia) no segundo e terceiro anos do Ensino
Médio. E ampliou para 40% da carga horária, nesses anos, a parte diversificada
do currículo, ao inserir os chamados “itinerários formativos”, em que
supostamente os estudantes poderiam escolher o que estudar.
Há
uma contradição entre a propaganda de que os estudantes seriam protagonistas de
sua carreira escolar e a realidade do “novo ensino médio”, que prescreve
habilidades e competências sócio comportamentais necessárias à sobrevivência
desses jovens no mundo do trabalho: capacidade de adaptação e resiliência em um
cenário de competição e instabilidade. São “habilidades” para uma sociedade
baseada na “viração”, na esperteza, o que os defensores da educação neoliberal
chamam de “empreendedorismo”. Trata-se de educar para adequar-se ao mercado de
trabalho precarizado e ao conformismo como ausência de alternativa.
A
implementação do “novo Ensino Médio” ao longo dos últimos dois anos e sob
responsabilidade das secretarias estaduais de educação, evidenciou mais
problemas, como a precariedade da infraestrutura das escolas públicas – em que
estudam cerca de 88% dos quase 8 milhões de estudantes matriculados no Ensino
Médio no Brasil –, e a falta de professores. Somam-se a este grave problema
maus contratos, muitas contratações temporárias, além de ausência
de formação adequada e pouco tempo para preparação de aulas. Todos esses fatos
revelam a inadequação desta proposta para a realidade dos estudantes, que
passaram a se mobilizar pela revogação.
O
“currículo em migalhas” não atende às necessidades e interesses dos alunos,
notadamente dos filhos e filhas da classe trabalhadora que estão nas escolas
públicas, e não os prepara para a continuidade dos estudos em nível superior ou
escolas técnicas, se assim desejarem. Nem para que possam ingressar dignamente
no mundo do trabalho, forçando-os à exclusão das esferas de decisão nas
empresas, instituições e órgãos do poder público, e à permanência em funções
subalternas e mal remuneradas.
O
ensino médio neoliberal ampliou o abismo que já existia entre as escolas
públicas e as melhores escolas privadas, reforçando o fato de haver no Brasil
uma escola “pobre” para os pobres, e escolas de qualidade para os ricos, o que
aprofunda o apartheid social.
A
bandeira do “Revoga já!” em relação à contrarreforma neoliberal do Ensino Médio
tem potencial para expor a raiz do problema educacional no Brasil: a
desigualdade nas condições de ensino-aprendizagem entre as escolas pública e
privada. E mesmo entre escolas privadas de elite nos grandes centros urbanos e
as localizadas no interior do Brasil e nos bairros de classe média nas grandes
cidades. É a reprodução ampliada dessa desigualdade.
Ao
mesmo tempo, condiciona o horizonte de possibilidades dos jovens (ricos e
pobres) ao fatalismo do “fim da história”, ou seja, que o futuro do Brasil não
comporta desenvolvimento social e econômico que nos faça superar a dependência
e as heranças neocoloniais do subdesenvolvimento: pobreza estrutural,
concentração da propriedade da terra (rural e urbana), elevada inserção
informal, precária e sem proteção social no mercado de trabalho.
Revogar
o ensino médio neoliberal é imprescindível para reconstruir o Brasil. A
educação básica e, em especial, a etapa final do seu percurso formativo, que é
o Ensino Médio, precisa ser refundada a partir de amplo e democrático processo
participativo que reúna estudantes secundaristas e suas organizações,
professoras e professores e suas representações sindicais, e especialistas em
educação comprometidos com um projeto popular para o país.
Se
queremos uma educação que viabilize a democratização e a desmercantilização da
vida, há que construir uma reforma educacional humanista e crítica inspirada na
educação libertadora de Paulo Freire.
Frei Betto
é escritor, autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Rocco), entre
outros livros. Livraria virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 73 livros,
editados no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na
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