por Maria Clara Lucchetti
Bingemer,

Apesar de o
Cristianismo raramente ter sido considerado uma religião humilde, quase
sempre associado à arrogância religiosa e ao triunfalismo, e com uma confiança
absoluta na verdade superior de seus próprios ensinamentos, a virtude da
humildade desempenhou papel central na tradição cristã desde suas
origens. Santo Antão a ela se refere como “a primeira de todas as
virtudes” e, para Santo Agostinho, consiste na “soma total do remédio que
nos cura”. Dentro da tradição monástica do Ocidente, o caminho de subida
para Deus foi desenvolvido em termos de doze degraus de humildade.
E sua importância é tema central na reflexão e nos escritos da
maioria dos místicos cristãos, desde Gregório o Grande até o anônimo
autor inglês da “Nuvem do não saber” do século XIV; passando pela grande
mística carmelita Teresa de Ávila e por João da Cruz até os diálogos
espirituais entre Francisco de Sales e Joana de Chantal.
Mesmo
em tempos em que a importância da humildade possa ter parecido ser
virtualmente eclipsada pelo triunfalismo e o poder eclesiástico,
continuou a encontrar seu lugar central e inequívoco na obra de grandes
teólogos como Tomás de Aquino e fundadores e espirituais do porte de
Inácio de Loyola, que propõe em seus Exercícios Espirituais levar o
retirante ao terceiro grau de humildade, desejando antes a pobreza e a
loucura por Cristo do que o prestígio que o mundo dá.
E
embora a noção de humildade tenha sido olhada como profundamente oposta à
ênfase moderna na autonomia humana e na excelência individual, ainda
figura com proeminência nos escritos de autores espirituais mais
contemporâneos como Simone Weil, Emmanuel Mounier e Jean-Louis Chrétien.
Este último chega a afirmar: “É bonito que a mais profunda das
virtudes tenha uma reputação tão negativa. “
Realmente,
o que vem a humildade, com seu conteúdo de verdade e modéstia, de
simplicidade e verdade, fazer num mundo que canoniza o poder, que vive de
aparências, supervaloriza o ter em detrimento do ser e constrói a cada
minuto ídolos e fetiches que o possam guindar sempre mais alto nas
escalas social e profissional, à frente, nunca atrás, ainda que seja usando
os outros para conseguir seu intento?
Uma pessoa humilde é malvista em nossa sociedade. Dela diz-se que não tem ambição nem garra, é fraca de personalidade, que não sabe se impor. Mais: é tida como boba, idiota, que não sabe aproveitar as oportunidades e chances que a vida lhe dá e se deixa ultrapassar pelos outros. Não se apega às conquistas conseguidas, não se agarra ao prestígio e ao poder dela emanados, mas deles se afasta, deixando o caminho livre para os adversários e concorrentes.
A escritora é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e
autora de “Crônicas de cá e de lá” (editora Subiaco), que pode ser encomendado diretamente à escritora pelo e-mail – agape@puc-rio.br – Preço: R$ 20,00.
Copyright 2013 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)
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