Por MARCELO BARROS

Para Paulo, a salvação não significa apenas o esforço
para se santificar pessoalmente, mas a realização do projeto divino no mundo e
nas comunidades. Ele insiste que, mesmo em meio às contradições da história,
esse projeto se realiza pouco a pouco e progressivamente. Isso não significa
que o mundo hoje seja mais humano ou justo do que há cem anos.
Menos ainda que
o tempo, por si mesmo, traga soluções para a vida melhorar. Há quem considere
que, em vários aspectos, hoje, a sociedade seja mais violenta do que em outras
épocas, o individualismo mais exacerbado, a natureza mais destruída e o futuro
mais sombrio. Entretanto, apesar disso tudo, em meio a todas as dificuldades,
germina uma semente de paz, justiça e amor que vem do Espírito e vai na direção
do projeto divino no mundo. Seja como for, a consciência de direitos humanos, a
luta pela liberdade e pela igualdade entre homens e mulheres, de todas as raças
e culturas, tem crescido e é sinal de que aquilo que judeus e cristãos chamam
de Páscoa vai progressivamente se realizando não somente nos corações dos
crentes, mas mesmo nas estruturas do mundo.
A Campanha da Fraternidade dessa Quaresma e
Páscoa foi decidida há mais de dois anos pela CNBB, alarmada pelas estatísticas
que mostram o elevado número de assassinatos e violências cometidos contra os
jovens mais pobres no Brasil, especialmente os de raça negra e moradores de
favelas.
Essa violência tem várias raízes na injustiça estrutural de nossa
sociedade, mas se alimenta com os conflitos trazidos pela marginalização e pela
frustração de muitos jovens privados de moradia, trabalho e condições de vida
digna que deveriam ser direitos de todos. Para diagnosticar se um viaduto ou um
edifício rachado estão sob o risco de desabar, engenheiros e arquitetos
examinam as condições dos pontos mais frágeis. Se as ligaduras e junções
consideradas mais fragilizadas suportarem bem a pressão cotidiana do uso, eles
consideram o viaduto ou edifício seguro. Se estas se mostram sob o risco de
caírem, todo o edifício está condenado.
A sociedade humana também é assim. E,
por várias razões, a sua parte mais fragilizada e mais vítima das injustiças
sociais é justamente a juventude das periferias urbanas, das comunidades rurais
e de modo especial dos grupos indígenas e negros. As estatísticas mostram que
os jovens negros são as mais frequentes vítimas da violência urbana no Brasil.
E em algumas regiões, como o Mato Grosso do Sul, as áreas indígenas continuam
sofrendo com o número assustador de adolescentes e jovens que se suicidam.
Estas sociedades precisam de novas condições de vida. A Páscoa é essa energia
de esperança e de comunhão.
Para quem é cristão, o mais importante na Quaresma não
é a prática de devoções penitenciais que podem não trazer nenhuma mudança
concreta à vida pessoal e a da comunidade. O que Deus pede de nós e
renunciarmos a tudo o que for necessário e nos dispor a uma maior solidariedade
com os projetos que restituam à juventude do campo e da cidade uma
possibilidade de vida nova e pascal. Isso também para nós será fonte de
profunda alegria. No século IV, o bispo João Crisóstomo ensinava: “A Páscoa de
Jesus vem fazer da vida da gente, mesmo no meio das lutas e das dores, uma
festa permanente de esperança e comunhão”.
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