Por
Maria Clara
Lucchetti Bingemer
A notícia da morte do grande Dom Moacyr Grechi, arcebispo emérito de Porto
Velho, traz a todos que vivemos e amamos a conferência episcopal brasileira dos
anos 1970 e 1980 uma sensação ao mesmo tempo de gratidão e tristeza.
Foram tempos em que os bispos do Brasil se destacavam por seu profetismo,
denunciando a ditadura e as torturas, e promovendo todas as iniciativas sociais
que prometiam um futuro melhor para os mais pobres.
Hoje, celebrando a Páscoa deste grande homem, sentimo-nos movidos a fazer dele
memória. Não apenas recordar um passado que se foi, mas crer em um
passado que se torna motivação para bem viver o presente e abre um futuro
prenhe de esperanças.
Nasceu em 1936 esse catarinense que já bem jovem entrou na Ordem dos Servos de
Maria, seguindo toda a formação na mesma ordem e sendo ordenado sacerdote em
1961. Com uma formação de alta qualidade dentro da ordem religiosa à qual
pertencia, Dom Moacyr fez mestrado em teologia em Roma e era, reconhecidamente,
pessoa de grande erudição. Lia muito e em diversos idiomas. E
estava sempre informado e antenado com tudo o que se passava no Brasil e no
mundo.
Em 1972, foi nomeado bispo da diocese de Rio Branco, durante o pontificado do
Papa Paulo VI, hoje canonizado pelo Papa Francisco. Em 1998, foi nomeado
arcebispo de Porto Velho, Rondônia, diocese onde passou longos anos.
Aposentou-se e recebeu o título de emérito em 2012. Sua atuação na
igreja local, pela qual era responsável, foi sempre dedicada, aberta e próxima
de todas as lutas dos pobres.
Entusiasta da Teologia da Libertação, apresentou-a não apenas dentro dos
limites da Igreja, mas também fora dela. Os sindicalistas e
ativistas sociais, como Chico Mendes e Marina Silva, estiveram entre os que
pertenciam ao círculo de companheiros de luta e amigos do arcebispo.
Apoiou todas as lutas populares que aconteciam na Amazônia.
Na CNBB, foi um dos criadores de importantíssimos órgãos que até hoje perduram
e fizeram a conferência brasileira uma das mais respeitadas no mundo
inteiro. Entre esses órgãos, estão o Conselho Indigenista Missionário
(CIMI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da qual foi presidente por oito
anos. Destacou-se pela defesa de todas as categorias oprimidas dentro da
realidade onde se situava sua diocese. Indígenas, seringueiros e
trabalhadores rurais sempre encontraram nele um valente defensor e advogado.
Graças à sua atuação e seu testemunho, o ex-deputado Hildebrando Pascoal, um
chefão do tráfico de drogas na região amazônica, teve seu mandato cassado.
Enfrentou obstáculos de todos os tipos, arriscou até mesmo sua vida,
conversou com autoridades e testemunho, até que finalmente Pascoal foi
cassado. O bispo participou igualmente do movimento que desbaratou
uma quadrilha, a maioria formada por ex-policiais militares.
Quando Chico Mendes foi assassinado, Dom Moacyr lutou bravamente pela punição
de seus algozes. Conhecia o seringueiro pela atuação em defesa da
floresta e participação nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Era
entusiasta apoiador das comunidades que nasciam a partir da leitura da Bíblia
aplicada à realidade, gerando resistência e iniciativas transformadoras. Era um
grande promotor da leitura popular da Bíblia e a partir dela deu grande impulso
às CEBs, que se estruturam a partir da centralidade da Palavra de Deus.
Como
arcebispo de Porto Velho, contribuiu para a criação da Faculdade Católica de
Rondônia, da Comissão Justiça e Paz do estado e para o fortalecimento dos
Centros Sociais da Arquidiocese. Foi membro delegado, pela CNBB, da 5ª Quinta Conferência Geral do Episcopado
Latino-americano e Caribenho (Conferência de Aparecida), que
aconteceu em maio de 2007. Aí teve bem
próximo contato com Jorge Mario Bergoglio, então arcebispo de Buenos Aires,
que futuramente seria o Papa Francisco.
Sobre ele, dizem pessoas que o conheciam bem de perto: tinha senso de humor
apuradíssimo, era exímio orador, capaz de entusiasmar a audiência desde as
primeiras palavras. Destacava-se pela lealdade às pessoas, amigo dos pobres,
que defendeu por toda a vida.
Seu lema enquanto bispo era “o último de
todos e o servo de todos”. O próprio Dom Moacyr declarou, em entrevista à
revista “Família Cristã, acreditar “que a principal tarefa da Igreja é formar
os seus cristãos. E nessa formação estão a palavra de Deus, a oração, os
sacramentos, a solidariedade e a luta pela justiça. A Igreja do Acre, por
exemplo, foi praticamente a mãe de todos os movimentos populares desse estado.
Eu diria que só é cristão de verdade aquele que se empenha na luta pela justiça
para os seus irmãos, pelo bem-estar do povo. Mas nós nunca devemos misturar as
coisas, a comunidade com os partidos políticos. ”
Sua morte deixa saudade e nostalgia de tempos
em que a Igreja brasileira se destacou no combate à injustiça e na defesa dos
direitos humanos como elementos intrínsecos à sua missão evangelizadora.
Dom Moacyr era um dos últimos que restavam desta luminosa geração episcopal. Descanse
em paz, servo bom e fiel. Entra no gozo do teu Senhor!
Maria Clara Bingemer é professora do
Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “Mística e Testemunho
em Koinonia” (Editora Paulus), entre outros livros.
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