Por Maria
Clara Lucchetti Bingemer
Nada melhor do que a poesia de Adelia Prado para dizer hoje o que quero a este
homem, ao meu homem: Ekke, na ocasião de nossos 50 anos de casados. Bodas de
ouro, dizem. Bodas da carne e do espírito, digo. Casados fomos, somos e
seremos, unidos no gozo da carne assim como em seu declínio; na ebriedade do
espírito assim como em sua aridez. Hoje como há 50 anos te amo, homem.
Eu te amo homem como no primeiro dia, no primeiro olhar e no primeiro
beijo. Na primeira palavra e na primeira conversa. E quantas,
quantas, e tantas conversas houve e ainda haverá entre nós dois, homem e mulher
de palavra. Em nossa união, a palavra cria, elabora, expressa, liberta,
reconcilia. Eu te amo homem como na primeira palavra que ouvi de tua boca
e que ainda ressoa em meus ouvidos.
Eu
te amo, homem, hoje como toda vida quis e não sabia, diz a poeta. E eu, que poeta não sou, digo. Não sabia mas
pressentia. E reconheci teu passo ao chegar, teu cheiro e tua voz.
E meu querer encontrou seu porto e seu lugar. Quis e não sabia.
Agora ainda não sei tudo Mas pressinto e descubro a cada dia. E me
surpreendo e me excito com essa caixa perpétua de surpresas que é te conhecer e
aprender a te amar na ausência perpétua de monotonia.
Aprendo.
Te aprendo, homem. O que a memória ama fica eterno.
Te amo com a memória imperecível. Contigo aprendo desde e para sempre que amor é aprendizagem. E neste meio século aprendi muita coisa, muito mais do que em estudos diplomas, títulos e doutorados. Sigo aprendendo. O que a memória ama fica eterno. Acrescento e é fecundo. Fica eterno porque não morre. É fecundo porque gerou e gera vida. Aprendemos juntos a criar. Criamos e continuamos imprimindo no mundo essa memória imperecível que ficou eterna.
Nessa vida jutos muito fizemos. Construímos,
plantamos, geramos viajamos. Mas nossa principal viagem tem sido ao
interior e ao redor de nós mesmos. Peregrinar todo dia ao encontro do
coração da humanidade é bom bastante e lindo. E, para nós, a humanidade
tem múltiplos rostos e nomes. Mas todos sintetizados concentrados em um
só: você, homem e eu, mulher. Por isso te amo homem por me ensinares a
diferença e a comunhão, a tolerância e o perdão, o maravilhar-me e o
horrorizar-me, o riso e o pranto.
Te
alinho junto das coisas que falam uma coisa só: Deus é amor. Isso que foi dito desde o princípio e
mesmo antes de todos os princípios, pois o Verbo era no princípio, me tem sido
dito por tua boca e sobretudo por tua pessoa, homem, ao longo de todos esses
anos. No teu amor, na tarefa de amar-nos todo dia, às vezes leve, às vezes
pesada, às vezes fácil, outras tão difícil, às vezes prazer, às vezes esforço,
às vezes evidente bênção, às vezes tentação de mágoa e rancor, às vezes
silêncio de morte, às vezes explosão de vida, tenho aprendido o que quer dizer
essa definição que o Novo Testamento faz de Deus. Deus é amor.
Todas as coisas disso falam, mas tu falas
disso tudo com mais eloquência. E mais pertinência. E mais
verdade. Por isso, te amo homem, agora como ontem, ontem como hoje, hoje
como daqui a muitos anos em nossa carne imortalizada na prole genética e espiritual,
em obras que só Deus conhece, razão pela qual existem grande e
maravilhosamente.
Te amo homem, amante, companheiro e amigo, sonhador de sonhos comuns. Te amo
pelas aventuras excitantes e pelo ritmo diuturno das pequenas coisas. Pelas corridas
mundo afora e pelos passos palmilhados pelo chão da casa. Pelas noites e pelos
dias. Pelo pôr do sol de beleza estonteante empalidecido pela beleza de teu
corpo descansando na rede, enquanto as crianças corriam no jardim. Pela paixão
e pelo afeto repousado. Pelos corpos entrelaçados e pelo afeto e pelo afago
meigo.
Te amo homem pelo respeito e pelo carinho, na saúde e na doença. Pela
paciência e pelo estímulo no sucesso e no fracasso. Pela história escrita a
quatro mãos que junto a muitas outras vão transformando o mundo. Pela
fidelidade a toda prova que tece e borda a nossa vida, protegendo-a de desvios
e des-fios, de distrações e traições.
Te amo homem por esse sorriso e esse olhar. Sorriso capaz de ordenar meu
caos primitivo. Olhar capaz de embelezar-me e enfeitar-me como noiva
adornada para esposo. Te amo neste momento como em todos. Tem sido tão
bom viver juntos, ser jovens juntos, maduros juntos. E agora envelhecer
juntos. Graça dada e recebida hoje com imensa gratidão.
Te amo homem, porque tens sido meu e eu, tua. E isso é belo de se ver e melhor
ainda de se viver.
Maria Clara Bingemer
é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “O
mistério e o mundo” (Editora Rocco).
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