Por Marcelo Barros
No
calendário turístico de várias cidades brasileiras, o mês de junho é marcado
pelas festas juninas. Desde o começo do mês, de norte a sul, o país é tomado por festejos tradicionais,
próprios dessa época. Conforme a região, mudam de estilo e de forma e envolvem,
desde crianças nas escolas até clubes de futebol e grupos de vizinhos nas ruas
das cidades. No interior do Nordeste, as festas juninas chegam a ser mais
importantes e envolventes do que o Natal e mesmo o Carnaval.
Há
quem considere as festas juninas como resíduos anacrônicos de uma sociedade
rural, sem mais espaço na cultura urbana do século XXI. No entanto, é nas
cidades que as duplas sertanejas mais fazem sucesso. São as cidades de médio porte
que mais investem no turismo que cresce nesses dias de festa. É claro que a
cultura contemporânea, marcada pela urbanização e pelo cuidado ecológico exige
algumas mudanças. Não se veem mais fogueiras nas portas de muitas casas, como
ocorria antigamente. E as brincadeiras ganham sentido mais simbólico e conteúdo
social mais explícito. Muitas vezes, jovens em situação de risco, que não entram
em outras atividades pedagógicas, quando se fala em quadrilha ou casamento
caipira, se organizam quase espontaneamente e com grande disciplina comunitária
e louvável capacidade de mobilização social.
Desde
que a humanidade existe, gosta de celebrar festas religiosas por ocasião do
solstício do verão que, no sul, corresponde ao inverno. Na noite de 21 de
junho, em toda a cordilheira dos Andes e em alguns outros pontos da América do
Sul, as comunidades autóctones celebram o ano novo andino. A passagem de ano é
marcada pelo solstício do inverno. No hemisfério norte ocorre no 1º de janeiro
e no sul neste momento de junho. O próprio mês de junho herda o nome de Juno,
antiga deusa-mãe dos romanos, responsável pela fertilidade da terra e pela
fecundidade feminina. Quando o cristianismo se impôs, os ritos pagãos da
fertilidade assumiram vestes cristãs e passaram a venerar santos, aos quais o
povo atribuiu poderes semelhantes às divindades antigas. Santo Antônio herdou o
título de “santo casamenteiro”, São
João Batista ficou ligado à fogueira, enquanto São Pedro vê sua festa tomada
pelos festejos do boi-bumbá. O povo continuou a comemorar divindades
ancestrais, mas convenceu os padres de que as fogueiras que acendiam nessa
noite eram em honra de São João. Os nobres conseguiam reproduzir nos palácios
danças simbólicas que, disfarçadamente, reviviam ritos antigos. Nas senzalas e
terreiros, criados e pessoas da plebe ridicularizavam seus patrões e patroas,
parodiando seus costumes e imitando suas danças juninas. No começo, as
quadrilhas feitas pelos pobres eram estritamente secretas e só se faziam em
ambientes de muita confiança. Depois, os nobres perderam seus títulos e os
pobres assumiram, em tom de farsa, a subversão de sua imitação da corte. Até
hoje, nessas festas, se veem pessoas marginalizadas chamando-se de cavalheiros
e damas; mulheres e homens do campo fantasiados de ricos e brasileiros
analfabetos dirigindo a quadrilha com expressões francesas, por eles
reinventadas. A ordem “Anarriê” substitui o francês “en arrière”
(para trás); “anavã” entra no lugar de “en avant” (para frente);
“changedidame” faz o pessoal mudar de par e “otrefuá” serve para
dizer “outra vez”. Nos casamentos
matutos ou caipiras, as figuras do padre e do juiz da roça são sempre
ridicularizadas e a moral tradicional se revela falsa e vazia.
Para
as culturas indígenas e populares, mais do que para a sociedade secularizada do
Ocidente, a passagem de um ano a outro é símbolo e deve significar a entrada de
um tempo novo não só na natureza, mas na vida da comunidade e de cada pessoa. Diante
de governantes que se pronunciam contra a educação, revelam preconceitos sociais
contra minorias e tomam posições contra o interesse dos mais pobres, é
significativo ver que o povo não se intimida. Nos últimos meses, o país tem
visto aumentar o número de pessoas que vão às ruas para expressar o seu
desacordo com o desmonte da educação e o seu protesto contra projetos como a
Reforma da Previdência. Nas festas juninas desse ano, certamente esses temas
aparecerão em forma de sátira e deboche. Em todo o Brasil, as festas juninas
mostram um povo que, apesar de pobre, sofrido e castigado, não perde a alegria
e a capacidade de brincar.
Assim,
pode vencer a tentação da violência e contribuir para uma cultura de paz.
Nesses
dias, o Brasil é governado por pessoas que manifestam claramente posições
antissociais e preconceituosas contra pobres e contra as comunidades
originárias.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos quais “O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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