Maria Clara Lucchetti Bingemer
O
prefeito de São Paulo, Bruno Covas, morreu de um câncer agressivo e
doloroso no último mês de maio. O Brasil acompanhou sua luta e sua
coragem, sempre a postos no trabalho, mesmo em tratamento. Acompanhou
igualmente sua agonia desde que deu entrada no hospital, falecendo logo após.
Em todo esse período de dor e esperança até o último minuto, seu filho Tomás,
de 15 anos, esteve junto. Todos pudemos vê-lo sozinho ao lado do caixão
do pai, amparado apenas por uns poucos familiares e assessores do prefeito.
A
Covid-19 fez a dor de Tomás e sua precoce orfandade ainda mais dolorosas.
Não pode haver enterro com muitas pessoas, devido ao risco do contágio. Tomas
não pôde abraçar pessoas que admiravam seu pai e lhe diriam coisas boas sobre
aquela figura essencial que acabara de perder. Impressionou a dignidade
do jovem ao lado do caixão e podemos imaginar quantas perguntas sem respostas
aconteciam em seu interior.
Tomás
Covas amava muito o pai. Em entrevistas após sua morte, testemunhou que
lhe havia dito para ir tranquilo, que descansasse daquela imensa luta contra a
doença incurável que o assediava desde 2019. Certamente guarda de Bruno boas
lembranças, com alegria, presença, proximidade e esperança.
Uma
das mais importantes, segundo seu testemunho, é o jogo de futebol que ambos
foram assistir juntos em janeiro, quatro meses antes da morte do prefeito. Era
o final da Copa Libertadores que aconteceu no Maracanã. Um sonho de ambos
ver essa final juntos. O pai havia acabado uma longa e dolorosa sessão de
quimioterapia e foi licenciado pelos médicos. Pediu mais três dias de
licença não remunerada na prefeitura e foi junto com o filho realizar o sonho
de torcer no estádio Mário Filho, o lendário Maracanã.
Recentemente, no entanto, o
presidente resolveu comentar criticamente e com bastante desaire o gesto do
prefeito. Bolsonaro afirmou a apoiadores na porta do Palácio do Planalto,
referindo-se a Covas: “O outro, que morreu, fecha São Paulo e vai assistir à
Palmeiras e Santos no Maracanã”. Referia-se às medidas
restritivas que Bruno Covas tomara para evitar a propagação do coronavírus.
Acusava o prefeito de ser incoerente por ter ido ao Maracanã com o filho.
Diante das declarações do presidente, Tomás não resistiu e pronunciou-se.
Sua fala foi dura e contundente. E a meu ver emocionante. Um filho que
acaba de perder o pai com tenra idade não suportou a crítica injusta e pouco
sensível, mesmo vinda do presidente das República. Acusou o presidente de não
ter sensibilidade por atacar uma pessoa que já não está mais entre nós e,
portanto, não pode se defender. Declarou ter respeitado, juntamente com seu
falecido pai, todos os protocolos na ida ao Maracanã.
Finalmente, definiu as agressões contra seu pai como vazias, ressaltando o
significado que havia tido para pai e filho a última saída de prazer e alegria
que tiveram. Fora para “curtir seus últimos momentos juntos”,
acrescentou. E terminou dizendo que isso era amor, sentimento que o presidente
nunca entenderá.
Tomás, nesse Dia dos Pais, meu pensamento vai para você. Tal como você, fiquei
órfã de pai muito cedo e sei bem a falta que faz a figura paterna na vida de
qualquer pessoa. Partilho sua dor. E ao mesmo tempo me sinto cheia
de admiração por sua firmeza nas declarações e no repúdio a palavras que
atingiram a memória de seu pai. Ele certamente neste momento está muito
orgulhoso de você.
Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio,
autora de “Experiência de Deus na Contemporaneidade: entre o viver e o contar”
(Editora Paulinas), entre outros livros.
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