Prof. Martinho Condini
Em 1909, 1921 e 1945, nos
estados do Ceará e Pernambuco nasceram três crianças em famílias humildes, e
enfrentaram os problemas típicos das famílias brasilerias: esforço para o
sustento da família, criação e formação escolar dos filhos.
Cada um desses jovens seguiu o seu caminho a partir de suas
realidades sociais, histórias de vida e lugares de fala.
A história do Religioso, do Educador e do Operário nos serve
de exemplo, primeiro pela dificuldade de serem compreendidos pela sociedade
brasileira, principalmente a elite. Segundo pela perseguição que eles
enfrentaram dos seus opositores, no campo religioso, educacional, sindical e
político. E terceiro pelo legado que nos deixaram a partir de seus feitos em prol
do povo brasileiro.
O mais incrível é que as pessoas que discordam das ideias e
práticas de um dos três consequentemente não aceitam também as dos outros dois.
Isso reforça a similaridade que os três tiveram em seus protagonismos na
sociedade brasileira.
O Religioso, miúdo de gestos largos e fala forte e incisiva,
fez da sua vida uma luta em favor dos pequeninos, como gostava de chamar os
excluídos oprmidos da nossa sociedade.
Na década de 1920, na
cidade de Fortaleza criou o primeiro sindicato de trabalhadoras mulheres
(empregadas domésticas) do Brasil.
Na cidade do Rio de Janeiro, entre às décadas de 1940 e
1950, idealizou e fundou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e
também teve participação direta na criação da Conferência Episcopal Latino
(CELAM). Foi a principal voz latino americana e brasileira no Concílio Vaticano II (1962-1965), uma das
principais vozes na Conferência Episcopal Latino Americana de Medellín (1968), um
dos precursores da criação da “Igreja do Pobres”, das “Comunidades Eclesiais de
Base” (CEBs), da corrente teológica “Teologia da Libertação”. Criou a Cruzada
São Sebastião, conjunto habitacional com 10 prédios, que na época abrigou os
moradores da favela Praia do Pinto e Morro Azul, no bairro do Leblon. Fundou a
Cáritas brasileira, criou o Banco e a Feira da Providência, a Comunidade de Emaús
e participa da organização do Movimento de Educação de Base (MEB).
Em 1964, enquanto ocorria o golpe militar, o Religioso era
transferido para cidade de Recife, onde permaneceu até o seu falecimento em 1999.
Em Recife, foi o idealizador e fundador do “Movimento
Esperança”, uma ação orquestrada por ele para ajudar as pessoas mais necessitadas
e excluídas de Recife, grande Recife e posteriormente expandiu-se para outras
regiões do estado de Pernambuco.
O Religioso se tornou a mais importante voz contra o regime
ditatorial no Brasil. Foi o primeiro brasileiro a falar no exterior que no
Brasil havia censura, tortura e morte. Foi calado por quase dez anos; os
militares impediram que os órgãos de imprensa o entrevistassem ou mencionassem
o seu nome. Sua voz foi calada no Brasil, mas ecoou mundo a fora, tornando-se
“a voz de quem não tem voz”. A igreja onde morava foi metralhada por várias
vezes. E ele não foi assassinado pela ditadura porque era uma liderança conhecida
nacional e mundialmente pela sua incansável luta por justiça social e pelos
direitos humanos. Por quatro vezes seguidas, por intervenção do Itamarati, não
recebeu o “Prêmio Nobel da Paz”.
O Religioso foi a principal liderança da igreja católica
progressista no Brasil e na América Latina na segunda metade do século XX.
O Educador, também sensível às causas sociais, principalmente
no que se refere à educação e alfabetização de jovens e adultos; no final da
década de 1950, por meio de sua práxis
pedagógica realizou com outros educadores um processo de alfabetização de
adultos na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte. Esse processo criado e
coordenado pelo Educador foi revolucionário, sendo até hoje pesquisado e
praticado por muitas educadoras e educadores no Brasil e outros países.
O processo de alfabetização criado pelo Educador tem como
base uma educação libertadora, onde a leitura de mundo das crianças, jovens e
adultos é o princípio para a conscientização dos mesmos e consequentemente
realizarem a transformação da sociedade e a de si mesmos, saindo da condição de
oprimidos e excluídos.
Por isso, o governo brasileiro, entre os anos de 1963 e
1964, convidou o Educador a coordenar e implantar o Programa Nacional de
Alfabetização (PNA), com o intuito de alfabetizar milhões de brasileiros.
Mas, assim que ocorreu o golpe militar em 1964, e instaurada
a ditadura, o programa de alfabetização foi abortado e o Educador foi exilado
do Brasil, retornando apenas em 1980. Neste período de dezesseis anos trabalhou
no Chile, Estados Unidos, Suíça e vários países da África, aplicando a sua
práxis alfabetizadora.
Neste período escreveu vários livros. Um deles se tornou o
esteio de sua filosofia e prática educacional, “Pedagogia do Oprimido”, que atualmente
é o terceiro livro mais lido no mundo na área das ciências humanas.
Após o seu retorno ao Brasil, construiu um legado a partir
da sua prática como educador, professor universitário, pensador da educação e escritor.
A sua maneira sempre muito amorosa, sincera e cativante de lidar com as pessoas
foi algo peculiar.
Hoje,o Educador é reconhecido mundialmente. Vários países adotam
suas práticas educacionais para formar as suas crianças, jovens e adultos. Mesmo
após o seu falecimento em 1997, ele inspira milhares de educadoras e educadores
do Brasil e do mundo. Atualmente é o patrono da educação brasileira e indiscutivelmente
foi o mais importante educador do Brasil.
O Operário teve a mesma história de milhões de nordestinos.
Ainda criança vem com sua mãe e irmãos, de pau de arara, para São Paulo. Na
infância pobre, ajudou no sustento da família, trabalhou como vendedor de
amendoim, laranja, auxiliar de tinturaria, telefonista e bicos como engraxate.
Adolescente, faz um curso de torneiro mecânico e torna-se operário da indústria
na grande São Paulo. E assim foi
seguindo a sua vida, constituindo família, criando filhos e sempre na luta pela
sobrevivência.
Ao final da década de 1960, despolitizado, ingressou na
diretoria do sindicato da sua categoria profissional. Mas no decorrer dos anos foi compreendendo a relação
de exploração entre capital e trabalho.
Em 1975, em plena ditadura militar se torna presidente do
sindicato e junto com outros companheiros constrói um “novo sindicalismo”. Um
sindicalismo de luta em defesa da classe trabalhadora.
Ao final da década de 1970 e começo da década de 1980, lidera
as maiores greves de trabalhadores da história do Brasil na região do ABC na
grande São Paulo, assembléias com mais de 150 mil trabalhadores, em um período
em que greves de trabalhadores eram proibidas.
A
truculência do regime lhe custou várias prisões, mas isso não o fez esmorecer,
e a sua luta pela melhoria das condições de trabalho refletiu em outras
categorias profissionais. Tornou-se
uma liderança nacional para as trabalhadoras e trabalhadores deste país.
No início da década de 1980, o Operário percebe que a sua
luta não era mais apenas ao lado da sua categoria profissional, mas uma luta a
favor dos oprimidos e excluídos da sociedade brasileira. Então funda um partido
político, o Partido dos Trabalhadores (hoje o maior partido progressista de
esquerda do mundo), com o apoio de operários, camponeses, sindicalistas,
intelectuais, representantes da igreja progressista, militantes de esquerda e
de movimentos populares.
O Operário se tornou a principal liderança política do
Brasil dos últimos 40 anos em nosso país. Após quatro eleições presidenciais, tornou-se
presidente da república por dois mandatos seguidos; em 2002 eleito com mais de
52 milhões de votos e em 2006 com mais de 58 milhões votos. Em seu governo, o
Brasil, que era a 13ª potência econômica do mundo, tornou-se a 6ª, segundo o
banco mundial. Também, em seu governo foi instituída a maior política de inclusão
social da história desse país, possibilitando a milhões de pessoas ter um emprego,
tomar café da manhã, almoçar e jantar com suas famílias. Além disso, fez com
que mais de 36 milhões de pessoas saíssem da condição de miseráveis e milhares
de jovens ingressassem no ensino superior e conquistassem melhores empregos e
condições de vida.
O Operário com seu carisma, sua sensibilidade e inteligência,
tornou-se o mais popular e melhor presidente da história da nossa república.
Estou convencido que esses três arrochados nordestinos, o
Religioso Dom Helder Camara, o Educador Paulo Freire e o Operário Luiz Inácio
Lula da Silva, oriundos de uma mesma raiz, estão irmanados pela mesma nordestinidade
caracterizada pela coragem, valentia, caráter e perseverança.
A busca de cada um deles pela justiça social, pelos direitos
humanos, pelo respeito ao outro e pela dignidade para todos os pequeninos, oprimidos
e excluídos, brasileiros e latino americanos, sintetiza o primor desses três
arretados personagens da nossa história.
Enfim, Helder, Paulo e Lula têm consigo a verdadeira brasilidade
e o esperançar na construção de um Brasil genuinamente brasileiro. Protagonistas
na história da igreja, da educação, do sindicalismo e da política brasileira,
eles merecem todo o nosso respeito. Viva a liberdade, a democracia e os brasileiros
comprometidos com o nosso povo!
O Prof. Martinho Condini é historiador, mestre em Ciências da Religião e doutor em Educação. Pesquisador da vida e obra de Dom Helder Camara e Paulo Freire. Publicou pela Paulus Editora os livros 'Dom Helder Camara um modelo de esperança', 'Helder Camara, um nordestino cidadão do mundo', 'Fundamentos para uma Educação Libertadora: Dom Helder Camara e Paulo Freire' e o DVD ' Educar como Prática da Liberdade: Dom Helder Camara e Paulo Freire. Pela Pablo Editorial publicou o livro 'Monsenhor Helder Camara um ejemplo de esperanza'. Contato profcondini@gmail.com
Belo texto, Martinho!!
ResponderExcluirLogo logo irá compor/integrar outro livro. Abracos e parabéns!
Que trio essencial para a história de nosso povo! Reunião de biografias essenciais no sentido de compreender a dura luta por uma sociedade mais justa!
ResponderExcluirParabéns Martinho, trazer estes três personagens e nos mostrar a origem comum de ambos, confesso que é algo que não havia parado para pensar. A ciência, assim como filosofia, estão aí para nos desentocar, desestabilizar no sentido mais positivo destas palavras. Agradeço por provocar nosso pensar com seus textos e pesquisas.
ResponderExcluirEssa trinca de azes pernambucanos nos ilumina, inspira e fortalece.
ResponderExcluirGrato Martinho, beleza de texto!
Agradecida! Três grandes homens!
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