Frei Betto
Todos nós, humanos, somos tributários das
espécies que nos precederam na escala evolutiva, como os répteis egocentrados.
Há, contudo, o esforço civilizado de nos descentrarmos e enxergar o próximo.
Sem buscar nele a nossa imagem e semelhança, como se fosse espelho de nosso
olhar narcísico. A boa democracia, tão apregoada e pouco praticada, exige que
não se converta a diferença em divergência.
É notório que
há no Brasil um clima de ódio e discórdia, agudizado pela atual disputa
eleitoral. Não participo dele. Situações de vida me ensinaram a não ter
ódio de ninguém nem somatizar conjunturas políticas. Meditação e oração são
meus antídotos.
É óbvio,
há pessoas das quais prefiro não ser amigo. Não por querer mal a elas, e sim
por discordar radicalmente de suas ideias, que contrariam os princípios que
norteiam a minha vida. Isso torna o diálogo quase impossível. E não sou de
bater boca. Só lamento o sofrimento que causam quando as teses que defendem são
levadas à prática. Como é o caso do racismo, da homofobia, do machismo, da
arrogância e da opressão.
Evito
também quem naturaliza a desigualdade social e defende estruturas sociais e
leis que aprofundam o aviltante abismo entre os pouco ricos e os muito pobres.
Repito, não
trago em mim sentimento de raiva ou ódio por qualquer pessoa. Nem a quem
repudio, como os torturadores e assassinos dos anos em que padeci no
cárcere sob a ditadura militar.
Isso não me
faz melhor do que ninguém. A vida me ensinou que ódio é um veneno que se toma
esperando que o outro morra. Portanto, não abro mão deste bem que me é tão
precioso e constitui a razão de minha felicidade: a paz de espírito.
Demônios não
trafegam em meu mundo interior. Mantenho relações de amizade com amplo espectro
de pessoas de diferentes ideologias, religiões e condições sociais. Todos sabem
exatamente o que penso, quem sou, o que faço. Pela simples razão de ter
atividades pastorais e sociais notórias, e expor o que penso em 69 livros, além
dos inúmeros artigos que produzo.
Para manter
contato com pessoas tão díspares há que reconhecer a importância da virtude da
tolerância. Nunca fecho as portas à possibilidade de uma boa amizade. Aliás,
condição primeira para ser feliz, frisou o velho Aristóteles há 24 séculos. Como
optei por não constituir família, não tenho saudades dos filhos que
não tive, sustento-me nas relações de amizade. Quase todas, aliás, parceiras.
Porque além da amizade que nos aproxima, com a maioria compartilho projetos e
ideais comuns, sejam militantes que lutam por terra e teto, seja gente muito
rica.
Portanto, não
incorporo a crise brasileira. Conheço suas causas, e não é o acúmulo de emoções
que apontará soluções. Considero perda de tempo as discussões virtuais. Uso
moderadamente as redes digitais e jamais polemizo com quem me acessa. Não
tenho Facebook nem Instagram por receio de que me levem a naufragar (e
não navegar) e roubem momentos de ler bons livros e me dedicar a outras
atividades mais proveitosas. Uso parcimoniosamente o Twitter e o WhatSapp. E
não gosto de falar ao telefone. Nele sou telegráfico. Jamais o ocupo por mais
de dois minutos.
Esta a minha
postura nesse conflituoso mapa da diminuta parcela da sociedade brasileira
mergulhada nas turbulências desse tempo de intrigas. Diminuta porque há milhões
de pessoas que não estão nem aí, não acessam redes digitais, e se encontram
muito ocupadas em lutar pela sobrevivência, cuidar dos filhos, de suas lavouras
e de seus negócios, levantar cedo para enfrentar dura jornada de trabalho. Não
figuram entre os que formam (ou deformam) isso que se denomina “opinião
pública”.
Em resumo, a
vida é mesmo conturbada. Todos nós, humanos, somos tributários das espécies que
nos precederam na escala evolutiva, como os répteis egocentrados. Há, contudo,
o esforço civilizado de nos descentrarmos e enxergar o próximo. Sem buscar nele
a nossa imagem e semelhança, como se fosse espelho de nosso olhar narcísico. A
boa democracia, tão apregoada e pouco praticada, exige que não se converta a
diferença em divergência.
O que
temos em comum é o que todos almejamos amar e ser amados. A
essa experiência denomino Deus. Quase todos concordam comigo, exceto em um
detalhe: Deus quer ser amado naqueles que Ele criou à sua imagem e semelhança,
incluídos indígenas, negros, gays e empobrecidos.
Frei Betto é escritor, autor de “Por uma educação
crítica e participativa” (Anfiteatro/Rocco), entre outros livros. Livraria
virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 69 livros, editados no Brasil e no exterior. Você
poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org Ali
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correio.
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