Marcelo Barros
No momento atual que vivemos
no Brasil, a cada dia, os movimentos sociais e o povo mais pobre têm ido às
ruas para se manifestar pela Democracia. Em geral, por trás dessas
manifestações, está a defesa da Constituição e o apelo para que o voto do povo
seja respeitado. No entanto, toda manifestação popular pode ser ensaio de
democracia. Um bom exemplo disso é o cuidado com o qual, em quase todo o
Brasil, as pessoas preparam e organizam os festejos juninos.
Ainda há quem olhe as festas
populares como expressões de mera alienação social. De fato, no tempo do antigo
império romano, cada vez que alguma guerra se aproximava, ou uma lei iria
tornar a vida mais difícil, os pensadores do império promoviam o que chamavam
de “pão e circo”. Essa fórmula vigora até hoje em certos círculos do sistema
opressor. Até hoje, jornais televisivos sem compromisso com a transformação do
mundo alternam notícias de massacres e crimes com cenas de futebol. Depois de
mostrar imagens da seca e fome no nordeste, filmam na mesma região algum forró
de São João .
De fato, os festejos juninos
têm origens pré-cristãs nas mudanças de estação. Na Bolívia, Peru e Equador, os
índios festejam o ano novo andino. No Brasil, o povo faz brincadeiras caipiras,
quadrilhas e comidas típicas de cada região. Algumas das danças juninas vieram
das cortes da Europa e são hoje o que se chamam “quadrilhas” que ainda usam
termos franceses e fazem as pessoas se vestir de caipiras e dançar como a nobreza
de outros séculos. Assim, a própria história das festas juninas revela uma
democratização de costumes, antes restritos aos nobres e dos quais os pobres se
apropriaram. Nos casamentos matutos, figuras como padres e juízes da roça são
caricaturadas porque só se interessam por dinheiro e poder. Essas críticas
revelam o modo como as camadas mais empobrecidas do povo podem expressar,
democraticamente, suas críticas e seu protesto social. Mesmo o fato de tomar
santos da Igreja Católica, como Santo Antônio, São João Batista e São Pedro
para fazer festas que revelam resistência cultural é bom porque liga os santos
com a realidade da vida dos pobres de hoje.
Uma consequência positiva da
tragédia que é a crise política pela qual o Brasil passa nesses dias é que os
movimentos sociais conseguiram superar suas diferenças e se uniram. Não é fácil
organizar uma comunidade de bairro ou ajudar as pessoas a pensar criticamente e
a criticar as notícias impostas pelos grandes meios de comunicação. Em geral,
nos bairros e periferias, as pessoas, crianças, jovens e adultas, se organizam
com muita disciplina para ensaiar a quadrilha, preparar as danças caipiras e
brincar. As festas juninas revelam que nosso povo tem uma surpreendente
capacidade de se organizar, quando
deseja e se o assunto é do seu mundo afetivo. Quem, de fora, vê os ensaios e a
eficiência da preparação da festa, muitas vezes, de forma espontânea e sem
dinheiro, pode desejar que essa mesma energia de unidade e de organização
apareça na caminhada social e política das bases e na direção da luta pacífica
para transformar esse mundo.
Mesmo que não seja de forma
consciente, ao preparar as brincadeiras juninas, as pessoas revelam uma
capacidade de união que não se restringe apenas a uma dança de quadrilha ou uma
encenação caipira. Elas se tornam capazes de ensaiar uma sociedade nova na qual
todos serão protagonistas. Assim, na alegria e de forma despretensiosa, grupos
e comunidades populares sinalizam uma realidade nova que se aproxima ao que os
evangelhos chamam de reinado de Deus. Do seu modo e em sua linguagem lúdica,
parecem traduzir uma palavra que os evangelhos atribuem a São João Batista: “Mudem
de vida porque a realização do projeto de Deus no mundo está próximo!” (Mt 3,
2).
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