Por Marcelo
Barros
Nessa
semana, as Igrejas celebraram a festa de São Francisco de Assis. Poucos dias
antes, o papa Francisco reuniu em Assis 500 representantes de diferentes religiões
e 18 mil peregrinos de todo o mundo para orar pela paz. Naquela ocasião, mais
uma vez, explicou o seu projeto de colaborar para a unidade da humanidade,
através do diálogo entre as religiões e a aceitação das diferenças. Como tem
sempre feito, concluiu pedindo ao povo que o escutava: "orem por
mim".
O papa
Francisco tem consciência de que não conta com o apoio profundo da maioria da
hierarquia católica. Conquistou a admiração e o apoio de grande parte da
humanidade. Cristãos e não cristãos se pronunciam favoráveis à sua luta
pacífica para transformar o mundo e renovar a Igreja. Entretanto, nos meios
eclesiásticos, não é muito compreendido. Poucos bispos e padres têm coragem de
se pronunciar claramente contra o papa, embora alguns cardeais o têm atacado
diretamente. A maioria não se pronuncia, mas dá sinais de que discorda do modo de ser de Francisco e da
proposta de uma Igreja "em saída" e a serviço dos pobres. Outros
ainda, meros funcionários da instituição, não se preocupam em concordar ou
discordar. Foram formados nos últimos 35 anos para restaurar a Cristandade como
religião civil dominante e recolocar a sociedade sob a hegemonia e influência do clero, como, durante séculos, era
o costume. Para isso, era importante a figura do papa-rei e de uma Igreja
centrada em si mesma.
Desde que o
papa Francisco foi eleito, preferiu se apresentar como "bispo de
Roma". Revalorizou a colegialidade dos bispos em vigor nos primeiros
séculos do Cristianismo e, há 50 anos, proposta novamente pelo Concílio
Vaticano II. Retomou o diálogo fraterno e amoroso com a humanidade. No final da
década de 50, esse diálogo foi iniciado pelo papa João XXIII, mas na década de
80, foi praticamente rompido e substituído por uma postura dogmática e
autoritária.
No final do
seu primeiro ano de serviço como bispo de Roma e animador da unidade das
Igrejas, o papa Francisco celebrou o primeiro domingo do novo ano litúrgico com
vestes litúrgicas simples e sóbrias. Poucos dias depois, o seu secretário no
Vaticano declarou a uma revista alemã: "Esse papa não usa os símbolos do
seu poder. Nesse caminho, aonde vamos chegar???". Uma semana depois, ao
chegar pela manhã, aquele monsenhor viu na escrivaninha do papa a revista
aberta com sua entrevista. Na página onde havia a pergunta que ele havia feito,
o papa tinha escrito ao lado: "Se me permitirem, vamos chegar ao que nos
pede o evangelho de Jesus, ou seja, exercer nosso serviço na simplicidade, como
sinal de amor às pessoas e de partilha".
Para que
essa proposta seja acolhida por toda a Igreja, são muitas as dificuldades,
internas e externas. Além da cultura que, durante séculos, formou os padres e
bispos com outra sensibilidade, há interesses econômicos. O modelo de Igreja,
organizada como pirâmide hierárquica, legitima, por seu próprio exemplo, uma
sociedade baseada na desigualdade social e no poder. Em 2014, o Vaticano
anunciou que o papa Francisco iria publicar uma encíclica sobre a ecologia
integral. Nela, convidaria os cristãos e toda a humanidade a privilegiar o
cuidado com a terra e a natureza. Imediatamente, dois cardeais norte-americanos
foram ao Vaticano, acompanhados de grandes empresários. Foram pedir ao papa que
não publicasse a encíclica. Criaria problemas para as empresas que vivem da
exploração de minas e riquezas do subsolo. O papa os escutou, mas se manteve
firme em sua posição. A carta Laudatum
sii inaugura um novo modo de ligar a fé cristã e o cuidado com a natureza.
A Igreja
Católica é uma instituição de muitos séculos. Não vai mudar só porque o papa
assume um estilo de comunicação simples e direta e não fala só sobre mandamentos,
moral sexual e pecados. Como está organizado, o papado existe desde o século
XI, quando o papa Gregório VII (1087) se proclamou, em nome de Deus, autoridade
máxima sobre o mundo inteiro. A instituição só mudará se houver uma mudança de
cultura e o Direito Canônico, que rege as leis eclesiásticas, for reformado. Atualmente,
o papa Francisco conseguiu, ao menos, mudar o clima. Não existe mais
perseguição a quem pensa diferente e o Vaticano não censura mais o pensamento e
a pesquisa teológica. Ao menos o papa instaurou um diálogo respeitoso que não
condena dissidentes e respeita quem lhe faz oposição. Muitos que não gostam
disso esperam que ele se vá para poderem consertar os estragos e voltar à normose de uma Igreja imperial.
Em meio a
essas tensões, é preciso que os católicos percebam que o desafio para o mundo
de hoje não é apenas se a Igreja deve ser aberta e missionária ou fechada,
autoritária e hierarquizada. Para o mundo de fora, a questão mais ampla e
profunda é para que serve a Igreja? Será que as Igrejas e religiões conseguirão
ajudar a humanidade a mudar o caminho que a sociedade dominante está tomando?
Poderão evitar a catástrofe das pessoas se matarem umas às outras pela ambição
do lucro e do poder? Conseguirão salvar a vida no planeta Terra? A resposta a
essas perguntas está ligada a uma pergunta que os evangelhos contam que Jesus
fez: "Quando o Filho do Homem (ele, Jesus) vier, será que ainda encontrará fé sobre a terra?"(Lc 18, 8).
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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