por Juracy Andrade
Recordo hoje uma
já um pouco velha entrevista do teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, considerado,
por seu pioneirismo, o pai da Teologia da Libertação (TL). Ela se centra em uma
resposta: “A Teologia da Libertação morreu? Não me convidaram para o funeral”.
De fato, papas como o polonês Wojtyla (João Paulo 2º) e o alemão Ratzinger
(Bento 16), mais imperadores de Roma que pastores, não gostavam do que não
entendiam, e não apreciavam que um pensamento nascido e elaborado fora de certo
cristianismo eurocêntrico empolgasse boa parte do clero e leigos da América
Latina. De tudo fizeram para que fosse esquecida e até vista como heresia.
Felizmente, não dispunham mais da Inquisição e dos autos-de-fé.
Gutiérrez tinha
sido convidado para a apresentação do livro Pobre
e para os pobres, assinado pelo atual
prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé Gerhard Ludwig Müller e que
inclui textos do peruano. Já estávamos no pastorado do papa Francisco, que
escreveu o prólogo da obra. No tempo de Wojtyla, quem dirigia essa congregação,
herdeira da Inquisição e do Santo Ofício, era Ratzinger, guardião do que os
conservadores chamam de ortodoxia. Quem o entrevistou foi Andrés Beltramo
Álvarez para o site Vatican Insider.
Perguntado sobre
como “se chegou a essa reconciliação”, Gutiérrez respondeu que essa palavra é um
pouco forte para o que de fato aconteceu. Não houve uma clara determinação
contrária, uma proibição. Os grandes problemas da TL foram com políticos e
militares. Basta lembrar que militares do Canadá à Argentina e Chile se
reuniram em Buenos Aires para tratar do perigo que representava essa teologia.
Durante as ditaduras, centenas de pessoas foram assassinadas. Digo eu que, na
verdade, a TL e seus formuladores chegaram a ser condenados pela Congregação
para a Doutrina da Fé nos anos 1980. No Brasil, os principais expoentes da TL
são (alguns já morreram) José Comblin, com seu livro Teologia da Revolução (1970), Leonardo Boff, com seu Jesus Cristo Libertador (1972), Rubem Alves (exilado nos EUA durante a
ditadura); e fora do Brasil, Jon Sobrino, Leonidas Proaña e Juan Luis Segundo,
entre outros. A TL tem forte apoio e aplicação nas comunidades eclesiais de
base.
A outra pergunta,
o teólogo peruano respondeu que atualmente há um clima de compreensão, o que
desarma os que, sem nenhum fundamento cristão, desconfiam da TL ou a combatem.
Houve uma conscientização de que se metem com toda a Igreja quando tratam da
TL. Ele lembrou o caráter político da oposição à mesma ao afirmar que, em 1980,
na campanha presidencial de Ronald Reagan nos EUA, muitas pessoas mais tarde
designadas como embaixadores na América Latina emitiram um documento advertindo
(como os militares acima referidos) que a TL consistia um grande perigo para a
política exterior dos EUA.
A outra pergunta
sobre a instrumentalização da TL, lembrou que tudo pode ser instrumentalizado,
como aconteceu com a instrumentalização do cristianismo no apartheid da África
do Sul. E recordou o martírio de cristãos ou não nas mais recentes ditaduras de
nuestra Latinoamérica. Para ele, a mudança no leme do Vaticano é importante
para o seu trabalho e a TL. Mas, sobretudo, é bom para os pobres da América
Latina. O papa Francisco é decisivo, quando diz, por exemplo, que “dinheiro
corrompido eu não quero. É dinheiro sujo”.
A TL é uma
corrente teológica cristã nascida na América Latina depois do Concílio Vaticano
2º e da Conferência do Conselho Episcopal Latino-Americano ocorrida em Medellín
(Colômbia), um e a outra nos anos 1960. Ela parte da premissa de que o
Evangelho exige uma opção preferencial pelos pobres e, para se tornar concreta,
deve se utilizar das ciências humanas e sociais.
PS – Rejane
Menezes (IDHeC) nos lembra o evento Uma Nova Primavera na Igreja, que terá
lugar nos auditórios da Unicap com entrada franca, dias 13 e 14 de outubro,
sempre às 19h. A promoção é dos grupos Encontro da Partilha e Fé e Política Dom
Helder Camara, com apoio do Instituto Humanitas da Unicap. Terá a participação
de Leonardo Boff, Marcelo Barros e Vara Baroni. Quem puder, leve leite em pó,
massa para mingau e roupinhas para crianças de 1 a 4 anos da comunidade de Dois
Unidos. Mais informações: encontrodapartilha@gmail.com e grupofeepolitica@gmail.com
Juracy Andrade é jornalista com formação em filosofia e teologia
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