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quarta-feira, 5 de outubro de 2016

GUSTAVO GUTIÉRREZ, TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO E COMUNIDADES


 por Juracy Andrade



Recordo hoje uma já um pouco velha entrevista do teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, considerado, por seu pioneirismo, o pai da Teologia da Libertação (TL). Ela se centra em uma resposta: “A Teologia da Libertação morreu? Não me convidaram para o funeral”. De fato, papas como o polonês Wojtyla (João Paulo 2º) e o alemão Ratzinger (Bento 16), mais imperadores de Roma que pastores, não gostavam do que não entendiam, e não apreciavam que um pensamento nascido e elaborado fora de certo cristianismo eurocêntrico empolgasse boa parte do clero e leigos da América Latina. De tudo fizeram para que fosse esquecida e até vista como heresia. Felizmente, não dispunham mais da Inquisição e dos autos-de-fé.

Gutiérrez tinha sido convidado para a apresentação do livro Pobre e para os pobres, assinado pelo atual prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé Gerhard Ludwig Müller e que inclui textos do peruano. Já estávamos no pastorado do papa Francisco, que escreveu o prólogo da obra. No tempo de Wojtyla, quem dirigia essa congregação, herdeira da Inquisição e do Santo Ofício, era Ratzinger, guardião do que os conservadores chamam de ortodoxia. Quem o entrevistou foi Andrés Beltramo Álvarez para o site Vatican Insider.

Perguntado sobre como “se chegou a essa reconciliação”, Gutiérrez respondeu que essa palavra é um pouco forte para o que de fato aconteceu. Não houve uma clara determinação contrária, uma proibição. Os grandes problemas da TL foram com políticos e militares. Basta lembrar que militares do Canadá à Argentina e Chile se reuniram em Buenos Aires para tratar do perigo que representava essa teologia. Durante as ditaduras, centenas de pessoas foram assassinadas. Digo eu que, na verdade, a TL e seus formuladores chegaram a ser condenados pela Congregação para a Doutrina da Fé nos anos 1980. No Brasil, os principais expoentes da TL são (alguns já morreram) José Comblin, com seu livro Teologia da Revolução (1970), Leonardo Boff, com seu Jesus Cristo Libertador (1972), Rubem Alves (exilado nos EUA durante a ditadura); e fora do Brasil, Jon Sobrino, Leonidas Proaña e Juan Luis Segundo, entre outros. A TL tem forte apoio e aplicação nas comunidades eclesiais de base.

A outra pergunta, o teólogo peruano respondeu que atualmente há um clima de compreensão, o que desarma os que, sem nenhum fundamento cristão, desconfiam da TL ou a combatem. Houve uma conscientização de que se metem com toda a Igreja quando tratam da TL. Ele lembrou o caráter político da oposição à mesma ao afirmar que, em 1980, na campanha presidencial de Ronald Reagan nos EUA, muitas pessoas mais tarde designadas como embaixadores na América Latina emitiram um documento advertindo (como os militares acima referidos) que a TL consistia um grande perigo para a política exterior dos EUA.

A outra pergunta sobre a instrumentalização da TL, lembrou que tudo pode ser instrumentalizado, como aconteceu com a instrumentalização do cristianismo no apartheid da África do Sul. E recordou o martírio de cristãos ou não nas mais recentes ditaduras de nuestra Latinoamérica. Para ele, a mudança no leme do Vaticano é importante para o seu trabalho e a TL. Mas, sobretudo, é bom para os pobres da América Latina. O papa Francisco é decisivo, quando diz, por exemplo, que “dinheiro corrompido eu não quero. É dinheiro sujo”.

A TL é uma corrente teológica cristã nascida na América Latina depois do Concílio Vaticano 2º e da Conferência do Conselho Episcopal Latino-Americano ocorrida em Medellín (Colômbia), um e a outra nos anos 1960. Ela parte da premissa de que o Evangelho exige uma opção preferencial pelos pobres e, para se tornar concreta, deve se utilizar das ciências humanas e sociais.


PS – Rejane Menezes (IDHeC) nos lembra o evento Uma Nova Primavera na Igreja, que terá lugar nos auditórios da Unicap com entrada franca, dias 13 e 14 de outubro, sempre às 19h. A promoção é dos grupos Encontro da Partilha e Fé e Política Dom Helder Camara, com apoio do Instituto Humanitas da Unicap. Terá a participação de Leonardo Boff, Marcelo Barros e Vara Baroni. Quem puder, leve leite em pó, massa para mingau e roupinhas para crianças de 1 a 4 anos da comunidade de Dois Unidos. Mais informações: encontrodapartilha@gmail.com e grupofeepolitica@gmail.com

Juracy Andrade é jornalista com formação em filosofia e teologia

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