Por Leonardo Boff
O fascismo é uma derivação extremada do
fundamentalismo que tem larga tradição em quase todas as culturas. S.
Huntington em sua discutida obra Choque de civilizações denuncia o Ocidente
como um dos mais virulentos fundamentalistas. Imagina que sua cultura é a
melhor do mundo, possui a melhor religião, a única verdadeira, a melhor forma
de governo, a democracia, a melhor tecno-ciência que mudou a face do planeta e
que lhe conferiu a capacidade de destruir todos os seres humanos e parte da
biosfera com suas armas letais. Os USA depois dos atentados às Torres se tornou
um Estado terrorista com claros sinais de fascismo particularmente agora sob D.
Trump. Até hoje, nem com Obama, foi abolido o “ato patriótico” pelo qual
qualquer cidadão pode ser preso americano ou não sob qualquer suspeita de
ligação com o terrorismo. A pessoa pode ser sequestrada e a família nem ser
comunicada.
Conhecemos o fundamentalismo islâmico e outros,
também de grupos da Igreja Católica oficial que ainda creem ser ela a única e
exclusiva Igreja de Cristo, fora da qual não há salvação. Tal visão errônea
abre espaço para a satanização e até a perseguição de outras denominações
cristas e não cristas. Graças a Deus temos o Papa atual da razoabilidade e do
bom senso que invalida tais distorções.
Todo aquele que pretende ser portador exclusivo da
verdade está condenado a ser fundamentalista e fechar-se sobre si mesmo, sem
diálogo com os outros.
Aqui vale recordar as palavras do grande poeta
espanhol António Machado: ”Não a tua verdade. Mas a verdade. Vem comigo
buscá-la. A tua guarde-a para ti mesmo”. Se juntos a procurarmos, ela será
plena para nós.
O fascismo nasceu e nasce dentro de um determinado
contexto de anomia, desordem social e crise generalizada como está ocorrendo
atualmente no Brasil. Desaparecem as certezas e as ordens estabelecidas se
debilitam. A sociedade e os indivíduos têm dificuldade em conviver com tal
situação. Cientistas sociais e historiadores como Eric Vögelin (Order and
History,195; L. Götz, Entstehung der Ordnung 1954; Peter
Berger, Rumor de Anjos: a sociedade moderna e redescoberta do
sobrenatural, 1973), mostraram que os seres humanos possuem um tendência
natural para a ordem. Lá onde chegam criam logo uma ordem e o seu habitat.
Quando esta desaparece usa-se comumente a violência para impor certa ordem sem
a qual não se forma a coesão social mínima para convivência.
O nicho do fascismo encontra nesta desordem seu
nascedouro. Assim, com o final da Primeira Guerra Mundial gerou-se um caos
social, especialmente na Alemanha e na Itália. A saída foi a instauração de um
sistema autoritário, de dominação que monopolizou a representação política,
mediante um único partido de massa, hierarquicamente organizado, enquadrando
todas as instâncias, a política, a econômica e a cultural numa única direção.
Isso só foi possível mediante um chefe (Führer na Alemanha e o Ducce, na
Itália) que organizaram um Estado corporativista autoritário e de terror. Dizia-se na
Alemanha: ”Der Führer hat immer Recht”(O Führer sempre tem razão). E na Itália:
“Il Ducce ha sempre ragione” (O Ducce sempre tem razão).
Como legitimação simbólica cultuavam-se os mitos
nacionais, os heróis do passado e antigas tradições, geralmente num quadro de
grandes liturgias políticas com a inculcação da ideia de uma regeneração nacional.
Especialmente na Alemanha os seguidores de Hitler se investiram da convicção de
que a raça alemã branca é “superior” às demais com o direito de submeter e até
de eliminar as inferiores.
A palavra fascismo foi usada pela primeira vez por
Benito Mussolini em 1915 ao criar o grupo “Fasci d’Azione Revolucionaria”.
Fascismo se deriva do feixe (fasci) de varas, fortemente amarradas, com um
machado preso ao lado. Uma vara pode ser quebrada, um feixe, dificilmente. Em
1922/23 fundou o Partido Nacional Fascista que perdurou até sua derrocada em
1945. Na Alemanha se estabeleceu a partir de 1933 com Adolf Hitler que ao ser
feito chanceler criou o Nacional-socialismo, o partido nazista que impôs ao
país dura disciplina, vigilância total e o terror de Estado.
O fascismo se apresentou como anticomunista, anticapitalista,
como uma corporação que supera as classes e cria uma totalidade social cerrada.
A vigilância, a violência direta, o terror e o extermínio dos opositores são
características do fascismo histórico de Mussolini e Hitler. Atualmente os neofascistas
usam com frequência a violência para se impor. São contra os valores
democráticos, homofóbicos, racistas, difamadores de seus opositores. Usam as
mídias sociais para propagarem seu ódio e seu propósito de um Brasil regido por
meios violentos, em nome de uma nova ordem.
O fascismo nunca desapareceu totalmente, pois
sempre há grupos que, movidos por um arquétipo fundamental, o da ordem, buscam
esta ordem a qualquer preço.
É o neofascismo atual. Hoje no Brasil há uma figura
mais hilária que ideológica que propõe o fascismo em nome do qual justifica a
violência, a defesa da tortura e de torturadores, da homofobia e outras desvios
sociais. Sempre em nome de uma ordem a ser forjada contra a atual desordem vigente
com recurso da violência e não do diálogo e por meios democráticos.
O fascismo sempre foi criminal. Criou a shoa (eliminação
de milhões de judeus). Usou a violência como forma de se relacionar com a
sociedade, por isso nunca pode nem poderá se consolidar por longo tempo. É a
perversão maior da sociabilidade humana. No Brasil não será diferente. Aqui não
não terá chances de se impôr em razão de seu exacerbado radicalismo que
tangencia o ridículo.
Leonardo Boff escreveu Fundamentalismo e
terrorismo:desafios para o século XXI, Vozes 2009.
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