Por Marcelo
Barros
A
comemoração do dia dos pais, ocorrida nacionalmente nesse domingo, tem apelo mais
comercial, mas não deixa de suscitar fortes emoções, tanto para quem pode
abraçar seu pai, como para as pessoas cujos pais já partiram. Essa data foi
inventada, em 1953 pelo jornal O
Globo, no contexto de uma crise política, “para permitir que os filhos homenageassem a figura heroica do chefe de
família que, nesses dias, atribulados e difíceis, é o responsável pela preservação
dos laços cristãos que mantêm unida a família brasileira” (Cf. O Globo, 05/ 08/ 2005).
Atualmente,
apesar de todas as conquistas da sociedade civil e dos ganhos da Constituição
cidadã de 1988, a realidade política tem se deteriorado. O pluralismo cultural
e religioso da sociedade não tem se traduzido em uma convivência sadia e
positiva. Mais do que nunca, atiçada pelas grandes redes de televisão, a onda
de intolerância e violência social aumenta a cada dia. E essa guerra que
destrói os alicerces da cultura da solidariedade atinge em primeiro lugar a
própria família. Os modelos de família têm se diversificado muito e, assim, a comemoração
do dia dos pais ganha outro contexto. Em muitos lares, as mães exercem sozinhas
a função que antes era dos dois. Em muitos casos, o pai não é o homem que
gerou, mas a pessoa que acompanha e garante a educação das crianças e
jovens.
De todo
modo, o dia dos pais pode ser boa ocasião para se refletir sobre o exercício da
paternidade. Ela é uma graça, seja para aqueles que têm a responsabilidade de
ter gerado vidas, seja para outros que, sem serem pais biológicos, são
responsáveis por uma paternidade afetuosa e espiritual.
Em seu
tempo, São Paulo escreve a uma comunidade que acompanha: “Embora vocês possam ter dez mil instrutores, não têm muitos pais. Só eu
os gerei no Cristo” (1 Cor 4, 15).
As figuras
de pai e mãe são, de tal forma, responsáveis pela estruturação da personalidade
que é comum as pessoas idealizarem o que seria o pai ou a mãe perfeitos. Muitas
mensagens que circulam no dia dos pais falam de um pai maravilhoso que
dificilmente existe na realidade. Pessoas que nasceram e cresceram sem poder
ter recebido o amor de um pai altruísta terão imensa dificuldade de se
relacionar com seus filhos e filhas de modo adulto e generoso.
Hoje, no
Brasil, uma em cada três crianças que nascem não terá como festejar o dia dos
pais. Não sempre por ser pobre ou por algum desastre natural, mas porque seu pai
não assume sua função. Na certidão de nascimento consta apenas o nome da mãe.
Todos os anos, no Brasil, nascem cerca de 800 mil crianças, frutos dessa situação.
No plano
biológico, ser pai é relativamente fácil. Hoje, existem, técnicas genéticas que
garantem fecundação em laboratório. O desafiador é ser pai na construção
amorosa de uma história humana. Trata-se de acompanhar contínua e
generosamente outro ser em crescimento e que precisa de uma figura de educador
como referência. Em nossa sociedade, a maioria das famílias tem,
cotidianamente, de lutar para sobreviver e garantir o seu trabalho. Mesmo assim,
é importante assegurar o tempo de diálogo com os/as filhos/as, no qual esses
possam ser confirmados e estimulados a sempre crescer e amadurecer humanamente.
A escola
cumpre um papel fundamental, mas só o apoio afetivo do pai e da mãe motivam a
criança a avançar na escola e no caminho da educação integral. É por garantir
esse cuidado que o pai, mesmo se não teve as mesmas condições de se educar,
pode sentir-se atualmente gerador contínuo de vida e crescimento para seus
filhos. Ao fazer isso, ele vai constatar como tinha razão o poeta Vinícius de
Moraes ao dizer no Poema Enjoadinho,
que os filhos dão um trabalho imenso, mas, ao mesmo tempo, “que coisa linda que os filhos são!”.
Quando
falamos de pai, quase sempre nos referimos a pais de filhos pequenos. No
entanto, quem de nós, adultos e mesmos os/as já entrados/as em anos não
sentimos a necessidade de um ombro amigo no qual se apoiar e uma mão amiga na
qual segurar? Também para os que são pais biológicos ou não de filhos e filhas
adultos, ser pai é uma graça e uma felicidade. Ser pai significa assumir profundamente
alguém cuja vida não nos pertence e, entretanto, pelo/a qual nos sabemos
responsáveis. Para quem crê, é principalmente aceitar ser imagem de
Deus-Amor para as pessoas que nos olham como pai ou mãe.
Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 26 livros dos quais o mais recente é "O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede-Loyola, 2003. Email: mostecum@cultura.com.
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