Maria Clara Lucchetti Bingemer
Se alguém se destaca em determinada área e altera uma situação de fato em um
sentido melhor ou mais justo, se diz que “faz a diferença”. Tudo aquilo que
muda situações, circunstâncias, vidas, para melhor faz a diferença. Toda
atitude, posicionamento, discurso, comportamento que conduz a história a girar
em direção contrária àquela previamente estabelecida, é reconhecida como algo
que faz a diferença.
Fazer a diferença, portanto, é transformar, redimir, redirecionar a humanidade
em outro sentido do que aquele que parece pré-determinado e banhado pela lama
da fatalidade. É abrir caminhos novos e com ações às vezes muito humildes e
pequenas fazer brotar grandes mudanças. É dar identidade e dignidade aos
vulneráveis e vencidos, a partir de uma solidariedade que lhes permite ser
sujeitos e atores de seu próprio processo de libertação.
À luz dessas afirmações, continuo estupefata com a entrevista do ministro do Meio Ambiente,
Ricardo Salles, no programa Roda Viva, da TV Cultura. Ao referir-se ao
seringueiro e ambientalista Chico Mendes, comentou com um despectivo dar de
ombros: “Que diferença faz quem é Chico Mendes?” Suspeito que a
resposta do ministro é fruto de seu profundo desconhecimento da figura do
seringueiro, sindicalista, ativista político e ambientalista brasileiro, que
lutou incansavelmente em favor dos povos da Bacia Amazônica, e defendeu com a
própria vida a floresta que era a fonte de sua subsistência.
No dia seguinte ao programa, ainda sob
o impacto da repercussão que sua fala tivera sobre a opinião pública que
considera Chico Mendes um mártir da Amazônia, o ministro permaneceu firme em
sua posição. Em entrevista ao jornalista Bernardo de Mello Franco,
afirmou: “O pessoal do agro, que conhece a região, diz que ele era grileiro.”
Talvez tenha sido o mesmo pessoal que informou ao ministro que Chico
Mendes “usava os seringueiros para se
beneficiar”. É difícil imaginar que benefício extraiu o seringueiro de
sua atuação em favor do meio ambiente, que o fez enfrentar os latifundiários
poderosos da região e acabou causando sua morte violenta. Deixou, porém, um
legado que até hoje inspira a luta pelo meio ambiente no Brasil e
internacionalmente. Graças a Deus, em seguida à entrevista do ministro, o
vice-presidente Hamilton Mourão reafirmou a importância de Chico Mendes,
declarando que ele é parte da história do Brasil.
Desconstruir a memória de um líder, de um mártir, é matá-lo pela segunda
vez. Assim parece o pessoal do agro estar fazendo com a memória de Chico
Mendes. Assim outros fazem igualmente com a morte da irmã Dorothy Stang,
religiosa católica assassinada enquanto ia a uma reunião com a Bíblia na mão.
Seria a Irmã Dorothy, cuja morte completa agora 12 anos, alguém que se
beneficiava dos seringueiros e do povo da floresta?
À pergunta do ministro sobre que diferença faz quem é Chico Mendes nesse
momento, portanto, a resposta parece ser: faz toda a diferença. A
história do Brasil seria outra se não houvesse Chico Mendes. O panorama
da Amazônia brasileira seria muito mais frágil sem sua atuação corajosa e o
movimento que criou.
Assim também, enquanto a Igreja Católica prepara o sínodo da Amazônia a
ser realizado no Vaticano no próximo mês de outubro, o testemunho de Dorothy
Stang e Chico Mendes faz toda a diferença. Por quê? Porque dão a
carne e o sangue às palavras da encíclica Laudato Si, do Papa
Francisco, que afirma ser a luta pela natureza e a criação inseparável da luta
pela justiça e os direitos humanos.
Quem entende isso faz a diferença. Esperemos que o ministro, após
sua primeira viagem à Amazônia, se sinta mais reconciliado com essas grandes
figuras que, desde o seu lugar aparentemente pequeno e insignificante, vão
virando a história em outra direção e deixando atrás de si o rastro luminoso da
sacralidade de todas as formas de vida.
Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da
PUC-Rio e autora “Simone Weil – Testemunha da paixão e da
compaixão" (Edusc), entre outros livros.
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