Por Marcelo
Barros
Cientistas sociais brasileiros como
José Luiz Fiori e analistas internacionais como Boaventura de Sousa Santos
afirmam que no dia 08 de junho de 2018 foi selado um acordo entre o chanceler
dos Estados Unidos, representantes militares do Brasil e alguns das elites
nacionais. Esse acordo possibilitou financiamento e assessoria de guerra para
provocar a vitória eleitoral do atual presidente e gerar a nova realidade
política brasileira que vivemos. Sem dúvida, as primeiras vítimas disso têm
sido os povos indígenas. Minutos depois da posse do presidente, no 1º de
janeiro, esse correu a assinar a Medida Provisória 870/ 2019. Entre outras
medidas, esse decreto esvaziou de suas funções legais a FUNAI (Fundação
Nacional do Índio). Transferiu o poder sobre as terras indígenas para os
ruralistas do Ministério da Agricultura. A partir de agora, a raposa fica
encarregada de cuidar do galinheiro. De lá para cá, várias áreas indígenas
foram invadidas e muitas outras estão ameaçadas. Para citar alguns exemplos
mais notórios: no Maranhão, os Guajajara criaram uma associação civil “Os
guardiães da floresta”. Em pouco mais de um ano já tiveram três desses
cuidadores da floresta assassinados. Agora, a cada dia, lidam com invasões de
madeireiros na área indígena. Em Rondônia, nesses dias, dezenas de invasores
armados estão invadindo e semeando medo nas aldeias Uru-Eu-Wau-Wau e nas terras dos índios
Karipuna. No Mato Grosso, a terra indígena Marãiwatsédé dos Xavantes, demarcada
nos anos da presidente Dilma, está sendo ameaçada de nova invasão. No Mato
Grosso do Sul, os Guarani Kaiowá viram intensificar-se a perseguição que já
sofrem há quase um século. Continuam a chorar o suicídio de jovens e
adolescentes que preferem morrer a viver sem terra e sem direito à comunidade e
sua cultura própria. Em plena cidade de Porto Alegre, a comunidade Guarani de
Ponta do Arado, bairro de Belém Novo, nas margens do Guaíba, está vendo sua
área cercada por milícias armadas. Na cerca que limita a reserva, homens parados
impedem os índios de circular, além de vigiá-los dentro de sua própria terra.
Nesses dias, as comunidades do Rio
Grande do Sul celebram o aniversário do martírio do índio Sepé Tiaraju. Sepé,
cujo nome indígena não parece ter sido esse, foi o líder guerreiro que uniu o
povo guarani na luta contra os exércitos espanhol e português. Em 1750, no
Tratado de Madri, as duas nações europeias tinham decidido destruir as
comunidades das missões, cuidadas pelos jesuítas. Sepé unificou os índios das
sete povoações missioneras com o grito: “Esta
terra tem dono”. Até hoje, esse grito ressoa nas lutas indígenas e é
reconhecido como legítimo por todos os que têm senso de justiça. Sepé morreu
vítima de uma emboscada no arroio Caiboaté. Milhares de índios foram mortos ou
se espalharam pelas florestas, escondidos para sobreviver. Até hoje, o grito de
Sepé Tiaraju, o cacique guarani, ressoa nas lutas indígenas.
Há séculos, o povo o considera São
Sepé. Só agora, com o papa Francisco, o Vaticano acolheu o pedido para
reconhecê-lo como santo católico. Isso significa que a causa dos povos
indígenas não é só uma luta social e política justa. É isso, mas se torna
também apelo espiritual através do qual o Espírito Divino se manifesta presente
no mundo e nos ilumina.
Depois de mais de cinco séculos de
resistência a tantas violências e perseguições, a fidelidade dos povos
indígenas à unidade da comunidade, à preservação de suas culturas de origem e a
profunda comunhão com a mãe Terra e a natureza se tornam para os cristãos um
verdadeiro testemunho (martírio). É o que aparece no testemunho de Marcelo
Grondin e Moema Viezzer que conseguiram resumir brilhantemente essa história no
livro: O maior genocídio da história da
humanidade: mais de 70 milhões de vítimas entre os povos originários das Américas.
(Toledo, PR, GFM Gráfica e Editora, 2018). Quem lê esse livro
impressionante, não pode deixar de concluir: Os povos indígenas podem ser
nossos mestres em como resistir nesses dias maus que vivemos. Temos de nos unir
a esses irmãos e irmãs que são companheiros nossos nas tribulações provocadas
pelo Capitalismo e no testemunho do projeto divino no mundo.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos quais “O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário